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Prefácio para um Livro Improvável

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Depois de mais de três anos conclui um projeto ambicioso, pelo menos para mim. Há muito tempo queria escrever um livro sobre Michel Foucault. No meio desse caminho, muitas "aproximações" com outros autores me fizeram caminhar por longas e inusitadas veredas. Então, aquela meia dúzia de fichas, apontadas apressadamente em umas aulas, tornaram-se volumosas folhas de caderno que, se enriqueceram meu saber e vocabulário, por outro lado, obrigaram-me a desvios e complexidades maiores do que estava preparado. Mas, como o garimpeiro não abandona seu filão de ouro até o exaurir por completo, dediquei a todos eles uma mesma paixão. Então surgiu o dilema do que era possível e impossível conectar. Este conectar é meu, é sempre do sujeito que tenta se livrar de certas amarras, problema de quem procura outras trilhas. O trabalho está concluído, ou melhor, dei-o por acabado. Escrevi um prefácio para esse trabalho, que apresento a seguir. "Este livro não é uma tese, nem mesmo u

Horrores de Ontem, Horrores de Hoje, Dignidade Sempre

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  Kant disse que o único momento de liberdade que o homem possui está no ato de escolher. Todos os outros momentos são já consequências da escolha. Se alguma liberdade o ser humano pode experimentar é quando escolhe. A liberdade, assim, não é algo mensurável, não é um princípio, não é um direito legal, mas uma condição ontológica, humana, universal, que precisa estar presente nesse momento de escolha. Quando a razão escolhe livremente ela toma consciência. Esta consciência, por sua vez, quanto mais for enriquecida por princípios em relação às escolhas efetuadas e experimentadas, mais faz o Ser chegar perto da essência (Husserl). A tomada de decisão é, ao mesmo tempo, solitária, livre, essencial, constrói o mundo para mim e constrói-me para o mundo. Assim, posso ser um Ser-Para-Si (Sartre). Fora isso, tudo é coerção, jurisdição, punição.   Aristóteles, por seu lado, há muito deixou claro que só o homem escolhe e, se a escolha depende em grande parte do conhecimento, a maioria dos

O Direito e sua Mitologia

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                                                                                                              Enquanto houver a palavra haverá um sopro, desse sopro se alimentará a vida (William Shakespeare) Eumênides de Ésquilo em uma abordagem psicojurídica Ou Sobre a condição política dos homens § Obra: Oresteia, parte III, Eumênides: teatro trágico grego Autor: Ésquilo, Século V a.C., Grécia – período clássico Tempo da narrativa: Séc. XIV a.C., Grécia – período arcaico Personagens: Clitemnestra, Agamémnon, Egisto, Orestes, Erínias e Eumênides, Apolo e Atenas Lugar: Delfos e Atenas: Tribunal Areópago § 1 Uma esposa adúltera, por ciúme, por vingança e por poder, de conluio com seu amante, Egisto, mata o esposo, Agamémnon, o soberano de Micenas (Grécia), que troca facilmente as graças da esposa por sua concubina. 2 A lascívia, a traição, ciúme, vingança, poder, todas as PULSÕES, todas as forças portentosas do espírito humano.

Se todos os juízes do mundo...

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Ainda que todos os juízes do mundo fossem homens justos, no sentido de serem, todos eles, sem excepção, rigorosos aplicadores de lei, nem assim o mundo estaria vivendo na santa paz da justiça. Os juízes formam-se e existem para acatar e fazer acatar as leis, mas as leis não são justas só por terem o nome de lei: dizer lei sempre foi o mesmo que dizer justiça. Na história dos povos multiplicam-se exemplos desta verdade. Muito pior do que isto, porém, é quando num tribunal, chamado a decidir sobre uma acção presuntivamente criminosa, se vão encontrar reunidas duas injustiças, a da lei e a do juiz. Já não bastava a hipótese de que o juiz fosse daqueles que facilmente tapam os ouvidos à voz da sua consciência, no caso de ainda a terem, aplicando cientemente e à letra, sem o menor gesto de protesto público, uma lei que já sabiam ser injusta ou, pelo menos, desajustada em relação ao caso em juízo. Nesta situação corrupta, isto é, reunidas no mesmo foro as duas injustiças, q

Educação Sentimental

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Tenho proposto que a abordagem jurídica contemporânea reveja seus princípios e doutrinas, principalmente quanto aos mecanismos de punição, desde a reforma dos Códigos quanto da Jurisprudência pertinente, até a reforma da linguagem acadêmica jurídica. O conjunto de princípios inovativos que visam uma abordagem zetética e abolicionista, devem ser capazes de proporcionar uma reflexão que coloque o Direito no lugar de uma ‘significação jurídica não linear e não literal’. Não ‘linear’ quer dizer que as alternativas ao Direito posto devem conviver com lugares rebelados e não povoados pelos ditames convencionais da justiça, lugares de escape, lugares infames, lugares de desvario. Nesses rincões jurídicos, onde o Estado mal chega ou onde é desconhecido pelos indivíduos, normalmente desprezado por eles, é comum verificar-se um preenchimento de justiça que foge muito às interpetações e aplicações da justiça civilizatória; neste sentido que digo ‘não literal’. Quanto se tem a aprender par

Só de Sacanagem

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Dia 02 de agosto de 2012. Um dia que ficará na história republicana do Brasil. Pode ficar na história como o dia em que o País voltou a acreditar e ter esperança. Pode ficar na história como o dia em que, definitivamente, o País enterrou a ética e a justiça. Seja o que for que aconteça a partir do dia 02 de agosto de 2012, as instituições políticas e de justiça neste País serão, indelevelmente, julgadas pelo povo brasileiro, a começar pela corte maior de justiça, o Supremo Tribunal Federal. Não se julga apenas o Mensalão e seus protagonistas, o governo e o PT, o Lula e o Marco Valério, as instituições financeiras e os conchaves políticos, a formação de quadrilha, corrupção ativa e passiva, peculato, evasão de divisas, lavagem de dinheiro e gestão fraudulenta; não se trata apenas disso, mas da vontade de uma Nação inteira em se sentir digna e dignificar seu Direito e seu Brasil. Eu há algum tempo respondi a Rui Barbosa nos mesmos termos, quando no início de nossa República o mesmo desd

O Fundamento do Amor na Filosofia Fantástica

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A consciência é uma ficção coletiva! Pretende-se mostrar que se conhecimento e liberdade não se opõem, tampouco se fundem. Uma estética consequente e responsável não abusa da liberdade. Esclarece-se que a ética responsável não abomina o livre-arbítrio, sendo, na verdade, mais fácil observar o quanto este último pode demagogicamente levar ao infortúnio de uma vida sem razão. A saída do “paraíso” não é o castigo pelas privações, mas o sofrimento pelo entendimento. Quem sabe escolhe dolorosamente. Conhecimento e liberdade exigem doses insuportáveis de responsabilidade. Deriva disto ser comum preferirmos o “engano” do livre-arbítrio, como irresponsabilidade ou tão somente como argumento paliativo. O conhecimento leva à liberdade, disso se alimenta a mínima noção de responsabilidade ética e política das sociedades desde a Antiguidade. Contudo, o inverso não é, para nossa angústia, igualmente irrefutável. Liberdade não leva, originariamente, ao conhecimento. Também o fato

Quando a Impaciência é uma Virtude

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As pessoas procuram a vida no tempo; devia-se procurar o tempo na vida. Não temos tempo. O tempo está, nós passamos por ele. Vimos, contamos uma história e vamos embora. No final, o nada. Para quem estranha, para quem precisa de distância, para quem pensa, o tempo é sempre curto. Meu amigo Alberico me disse certa vez: “Agora professor, que temos algo a dizer, que sabemos o que dizer, temos esse ardor permanente que vem da certeza de que não temos tempo!”. * Sabem, ela estava bem ali, disfarçada, dissimulada, escamoteada, escondida atrás de um copo com o resto de café do almoço que algum freguês, um daqueles que vêm à padaria no almoço como se fossem ao banheiro da fábrica, com as mãos sujas, as unhas pretas de graxa, algumas marcas do mesmo produto na cara sem lavar, cheirando a querosene misturado com o acredoce do suor incrustado na pele. E o ‘jaleco’ usado atrás de algum torno velho e barulhento?! Atrás de mim: - Um cafezinho, por favor. - Do almoço, é? - É!

O Direito Alternativo Não é um Movimento!

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 Add caption O Direito Alternativo não é um movimento! Se o foi em determinado momento histórico é porque havia a necessidade de se enfrentar com coragem a injustiça de um golpe sangrento. Mas os que hoje usam a expressão ‘movimento’ do Direito Alternativo deveriam abandonar esse jargão. O Direito Alternativo é um conjunto de princípios e valores que procura apenas, e tão somente, aplicar a lei com justiça social, resgatar a dignidade humana, a proporcionalidade, equidistância, razoabilidade, e mesmo a ergonomia para o bolso do contribuinte. Chamá-lo de ‘movimento’ pode incutir nesses princípios e valores distorções que estão muito perto do sistema e ordenamento jurídico brasileiros, que por sua natureza histórica e força de elites, sempre tende a se separar dos que mais precisam deles. Daí que não é de estranhar que se dê em alguns lugares o nome de Direito da Rua. Sim, para esses, da rua, o Direito Alternativo talvez seja o único momento de justiça e esperança. Eu prefir

Para Entender Kafka - Incubações de 'O Processo'

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Para entender Kafka - Incubações de 'O Processo', de Orson Wells e produzido em 1962, é uma homenagem ao inesquecível e irascível Prof. Galvão , que me iniciou na aventura de estranhamento e afastamento sóbrios das máquinas de poder. 1. Onde começa um processo jurídico? Invadindo o seu quarto de madrugada, reter seus documentos, ler seus 'direitos', impedir suas argumentações dizendo que é uma ameaça ou desacato, e, pior, ninguém lhe diz qual a acusação? 'O Processo' começa em qualquer lugar, a qualquer momento, de qualquer forma: o que está em jogo desde o início é o poder de submeter - submeter é poder de acusar mesmo que não se saiba o quê (Hannah Arendt). Carl Schmitt ficou famoso ao dizer 'soberano é quem tem poder em caso de exceção'. Logo, o Sistema provocará de forma permanente a 'exceção' para reproduzir o poder de forma 'aceitável'. 2. Máquinas, eis o que somos transformados. Veja-se o escritório onde K. trabalha! O

Filosofia do Direito