O Direito e sua Mitologia

 
                                                                                                         Enquanto houver a palavra haverá um sopro,
desse sopro se alimentará a vida
(William Shakespeare)

Eumênides de Ésquilo em uma abordagem psicojurídica
Ou
Sobre a condição política dos homens

§


Obra: Oresteia, parte III, Eumênides: teatro trágico grego
Autor: Ésquilo, Século V a.C., Grécia – período clássico
Tempo da narrativa: Séc. XIV a.C., Grécia – período arcaico
Personagens: Clitemnestra, Agamémnon, Egisto, Orestes, Erínias e Eumênides, Apolo e Atenas
Lugar: Delfos e Atenas: Tribunal Areópago

§

1 Uma esposa adúltera, por ciúme, por vingança e por poder, de conluio com seu amante, Egisto, mata o esposo, Agamémnon, o soberano de Micenas (Grécia), que troca facilmente as graças da esposa por sua concubina.
2 A lascívia, a traição, ciúme, vingança, poder, todas as PULSÕES, todas as forças portentosas do espírito humano. Foram essas forças que Clitemnestra libertou ao matar o marido Agamémnon, como a caixa de Pandora (mito) reaberta e ainda cheia de impulsos, desejos e desvarios. De alguma forma, Agamémnon, o rei, representa a razão, o controle, a logística, a vigilância, a LEI (Lacan).
3 Um filho doído, orgulhoso e com rancor, presa fácil para a vingança (Nietzsche): até os deuses assim o induzem, a vingar a morte do pai, a honrar o nome de seus predecessores. O filho mata a mãe e o seu possível amante. O arrependimento se submete ao rancor, previamente.
4 Os mesmos sentimentos brutos, a mesma escravidão dos sentidos, a mesma irracionalidade pode ser usada para se fazer justiça? O que os deuses, no Oráculo de Delfos, sugerem a Orestes é uma vendetta ou existe algo mais por detrás do matricídio? Apolo defende Orestes e Atenas se convence de sua absolvição e isso pacifica também o iminente contraditório entre os deuses.

5 As Erínias não dão sossego para o matricida, o ‘poluído’, mesmo que ele se exile e por mais que peça a proteção dos deuses, elas, as fúrias, o haverão de perseguir até conseguirem condená-lo e matá-lo, pois o homicídio de parente do mesmo sangue é hediondo demais para ser absolvido; já o assassinato do amante da mãe não é do mesmo nível, ele merecia a pena de talião?!
6 Orestes vai a julgamento no tribunal de Ares, o Areópago, por decisão inédita de Atenas, que nega a prerrogativa divina de o julgar, mas não se furta ao Devido Processo Legal; condenado ou absolvido deverá ser por vontade do povo, e afinal absolvido, mesmo após as acertivas do coro e do corifeu, este intérprete daquele, que inicialmente tende a ver os fatos humanos pelo senso comum e a fazer prevalecer a TRADIÇÃO e a MORAL. Então, as Erínias, sempre dispostas a perseguir e condenar os homens, se humanizam, se transformam em Eumênides, na mesma medida em que algo mais humano e terreno deve prevalecer: a LEI e a sua adequação aos fatos!
7 Lutas, forças antinômicas colocadas dialeticamente por detrás da marcha da História: paixão e razão, libido e supereu, arbítrio e lei, caos e ordem, desordem e controle, teogonia e antropogonia, deuses e homens, costumes e leis (Antígone), poder e perdão, condenação e absolvição, o bem por linhas tortas e o mal por linhas acertadas. Precisa Orestes ser absolvido para que a lei restabeleça a normalidade das coisas e das pulsões bestiais humanas? Orestes precisa ser absolvido para que a política se afaste da religião!
8 O homem, diante da pujança da efervescência do Espírito Subjetivo de Hegel, sua ânsia de liberdade ilimitada, não se curva ao hábito consuetudinário, às tradições, sequer à moral, aos valores, só o peso da Lei, esse ‘pé de chumbo’ instituído pelos homens pode conter e domesticar de alguma forma o próprio homem; a criatura se volta contra o criador para seu próprio bem, como Frankenstein (Shelley), para fazer provar à ciência de seu próprio veneno e, ternamente, para lhe oferecer o amor.
9 O homem não pode ser livre, não consegue dominar as potências da liberdade, e se alguma caracterísitca metafísica possui, ontológica, que o protege do mal, em sua onticidade (Heidegger) é um traído e, (in)consequentemente, um traumatizado, cuja redenção está não no além, nas entidades transcendentais, mas na figura mais poderosa que sua emancipação do primitivismo criou: o Direito. O Direito é, antes de tudo, criação da sexualidade humana.
10 O homem não é “bom”, mas não é “mau”, é apenas um Ser diante de suas Circunstâncias (Ortega & Gasset), ‘fazer para ser’, ‘ser ou não ser’, que se agarra, afinal, a si mesmo, às suas criaturas que crescem em monstruosidade há medida que nele cresce a liberdade. Não podem os homens experimentar a felicidade e a paz, viverem com igualdade e justiça sem ‘assassinarem permanentemente a sua mãe’, detentora dos impulsos da maternidade, da procriação, da dor e do prazer, ‘impondo a virilidade do pai’? Esta é a circunstância existencial primordial do humano que se liberta dos deuses!

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Filosofia do Direito

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