O Fundamento do Amor na Filosofia Fantástica


A consciência é uma ficção coletiva!
Pretende-se mostrar que se conhecimento e liberdade não se opõem, tampouco se fundem. Uma estética consequente e responsável não abusa da liberdade. Esclarece-se que a ética responsável não abomina o livre-arbítrio, sendo, na verdade, mais fácil observar o quanto este último pode demagogicamente levar ao infortúnio de uma vida sem razão. A saída do “paraíso” não é o castigo pelas privações, mas o sofrimento pelo entendimento. Quem sabe escolhe dolorosamente. Conhecimento e liberdade exigem doses insuportáveis de responsabilidade. Deriva disto ser comum preferirmos o “engano” do livre-arbítrio, como irresponsabilidade ou tão somente como argumento paliativo. O conhecimento leva à liberdade, disso se alimenta a mínima noção de responsabilidade ética e política das sociedades desde a Antiguidade. Contudo, o inverso não é, para nossa angústia, igualmente irrefutável. Liberdade não leva, originariamente, ao conhecimento. Também o fato de se agir no mais elevado grau de liberdade não garante a escolha pelo conhecimento, bem como o mais requintado espectro de conhecimentos não garante o comportamento ético ou livre. Mas o conhecimento pode, e deve, alicerçar a liberdade e a ética. Além disso, na “conexão amorosa” necessária ao processo de aprendizado há que se distinguir entre “querer-comunicativo” e “querer-receptivo”. Comunicação não implica necessariamente em querer aprender, ainda que esse querer não dependa, por outro lado, do mesmo sentido ou pretensões entre os entes.

Nas ciências humanas as comprovações empíricas são inviáveis ou inúteis. A matéria humana objeto de estudo só pode ser compreendida em si mesma dentro de sua circunstância. Circunstâncias nos suscitam teoremas. Muitos deles “improváveis”, mas indispensáveis quando precisamos entender o que se coloca para o ser em seu devir. São desse naipe conceitos como “contrato social”, “vontade geral”, “norma fundamental”, “consciência coletiva”, “mão invisível do mercado” etc. A circunstância humana pode ser ilustrada assim: queremos ir para o norte, mas se o iceberg em que flutuamos, sem o percebermos, impelido pelos ventos e pelas correntes marítimas, se dirige para o sul, nosso caminho fica impossível. Neste caso direção e caminho não convergem. Por isso, direção e caminho não é a mesma coisa. A direção orienta, mas só o caminho realiza. Mas a impossibilidade pode ser possível se descermos às profundezas do oceano de onde emanam as correntes e, ao mesmo tempo, ao cume mais alto das montanhas de onde sopram os ventos contrários. Isto é o verbo de uma fenomenologia para uma Filosofia Fantástica.

Espera-se que a estreiteza de espírito imposta pela objetivação tecnocrata considere, na mesma largueza e inventividade cientifica, conceitos como “mente”, “razão vital”, “interpretação”, “imaginação”, “psique”, “existência” e “circunstância”. No mundo humano o mais concreto é o “eu e sua circunstância”, e o que valida o interesse e importância do teorema é sua capacidade de ajudar, de forma lógica e coerente, a enfrentar desafios e escolhas existenciais inexoráveis. Parte-se de uma mente universal, contudo não finita simultaneamente insaciável de sabedoria. A sabedoria constrói-se pela experiência sensitiva do ser. Logo, a mente dialoga com a existência, através da razão. A contradição entre razão e existência é a experiência. Esta é experimentada e interpretada. A interpretação é, por sua vez, a contradição entre a mente e a razão. A memória é a parte depositada na razão proveniente dessa contradição ou jogo entre a mente e a razão. A memória pode ser perceptível dando os contornos da consciência. Mas parte da memória ou parte do resultado de esconde-esconde entre a mente e a razão pode ficar inconsciente. Descobrir esse inconsciente nada nos diz da verdadeira realidade da mente, sempre oculta, velada, incognoscível, mas nos diz as possibilidades de se entender melhor de que jogo se trata. Aquilo que se supõe ser a propensão, ou denominado comumente de tendência, predestinação ou mesmo inatismo, pode ser entendido como um acúmulo sucedâneo de experiência memorizada movimentando outra experiência. Portanto parte-se da mente racional, mas igualmente da existência real.

Na conexão da razão com a existência, na realização existencial, existe um jogo oculto, indescritível, imperscrutável. A razão, sem dúvida, entra em conflito com o mundo empírico e de forma pragmática sente restrições à sua liberdade de ser, ou, se se quiser, à sua vontade. As coisas do mundo lhe dimensionam o tempo e o espaço. Por isso a escolha, a opção, prescritivamente, sem possibilidade de definir o contorno sequer do resultado. Portanto, também o existencial leva em si o trauma da opção. Depois o trauma da finitude, e das coisas, quer dizer, também dos outros seres, do semelhante. Parte do desvelar necessário está aqui. Claro. Entretanto, este é apenas a ponta do iceberg. Não apenas existe a dialética observável, mas a impenetrável. Nas profundezas cosmológicas, a latência da contradição obscura entre a mente e a razão. Indescortinável e insensível – por não depender dos sentidos e por ser outra dimensão que não os sentimentos – o jogo imperceptível e impenetrável da mente com a sua metarrazão. Pode-se estudar a razão, discutir a razão, elaborar a razão e pela razão usufruir da experiência existencial, mas não se pode por ela olvidar entender ou conhecer sequer a mente. A tentativa consciente de entendê-la e com ela dialogar em seu mais profundo repertório de memória, pode aliviar a dor e o sofrimento mais superficiais, quer dizer, os que estão dados ao nível da memória consciente ou possivelmente inconsciente, mas não resolverá a angústia suspeita derivada da tensão entre essa razão que quer oferecer ao ser clareza, mas que, de todas as formas, está impossibilitada de fazê-lo, e a mente soberana, ela mesma parte de uma unidade mental maior. Lá no fundo o ser sabe que seu eu é um “marionete” e não há forma de promovê-lo a “manipulador”. Queremos comandar, mas não podemos.

Então, existem duas grandezas dialéticas psíquicas: a que deriva da tensão entre razão e existência (1), e (2) a que deriva da tensão superior entre razão vital e mente superior. As relações (1) de primeira grandeza são superficiais e patentes, tanto quanto o trabalho psicanalítico for eficiente em elucidar. As de segunda grandeza (2), tensões superiores, são latentes e habitam as profundezas cosmológicas às quais o ser está preso sem o conceber e entender. A terapia pode chegar até o tratamento das angústias entre razão e experiência. Mas só o “amor” pode revelar, quiçá, a verdadeira conexão entre mente superior e razão vital: aquela mente está em cada ser, e cada ser tem, normalmente, a perspectiva de sua razão vital diante de sua circunstância. Mas, como acontece quando dois espíritos se “enamoram”, a transcendência que “saboreiam” os eleva à mente superior, e nessa unidade, se encontram de novo como um único ser, uma única razão, e recobram a consciência de presença e pertencimento que existe em tudo no universo. De certa forma esse encontro que se dá fora da circunstância vital das razões – duas ou mais! – é de fato a experiência que dá “uma rasteira” nessa mente universal que até então separou em razões e experiências circunstanciais o que normalmente chamamos de subjetividade, personalidade etc. Mas agora já se sente que se é um único ser, parte de uma mesma inteligência, de um mesmo sentimento, uma única sensibilidade. Chamamos de amor o que isso exatamente significa – o único, o absoluto, o total, a infinitude plena. Para o terapeuta, este nível de terapia o levará, junto com o paciente, a uma identificação que, sem pretensões românticas, é amor, e a cura só poderá vir desta situação. Caso contrário, ou não existe cura ou classificamos essa plenitude de sentimento, e afastamos de nós o “eu te amo”.

Comentários

  1. OQUE PUDE ENTENDER PROFESSOR,É QUE HÁ ALGO ALEM DA RAZÃO E SUBJETIVAMENTE ALEM DA EXPERIENCIA,ALGO QUE AINDA NÃO DOMINAMOS .

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