Star Wars, Democracia e Ética na Filosofia do Direito
A
Filosofia deve ser entendida como processo, interação, maior que a lógica e a
boa retórica, ela é relação humana, comunicação: emissor, receptor, meio e
forma de “comunicar”, ela deve ser para o bem dos homens. Não por acaso
Sócrates e os antigos denunciavam as “artimanhas” dos sofistas e as
“distorções” dos logógrafos na Ágora e nos Tribunais. Sócrates, aquele mendigo,
aquele “maluco”, foi “assassinado”, mas a Filosofia se fez eterna!
Na
Antiguidade, e até o século XIX, os mendigos e os doentes mentais eram deixados
livres, ao invés de serem enclausurados em hospitais, hospícios e prisões. Não
fosse isso, Sócrates não poderia ter falado o que falou, demonstrado o que
demonstrou, e a Filosofia não teria como sustentar a nobreza de caráter e a
superioridade do espírito ético, honesto e justo, entender a diferença entre
atender aos desejos ou acudir o bem coletivo. Talvez por isso, quer dizer,
porque essas demandas sejam tão indesejadas pelos homens agora, a Filosofia
seja sistematicamente aviltada quando não cabalmente preterida. Hoje um livro
de Filosofia analítica e aplicada é uma Vitória!
Daí
que “filosofar” se reveste de amplo sentido, e devido à sua intensidade, se
presta à ideologização. Como a Escola da Teoria Crítica (Walter Benjamim,
Theodor Adorno e seus companheiros) o disse, pela manipulação técnica qualquer
conteúdo pode ser formatado e formatar a opinião pública. Como na propaganda
nazista de Goebbels, os indivíduos não o perceberão, não se dão conta da “grande
metáfora”, da “pantomina” que os distrai, da manipulação viral que os absorvem.
Nas sociedades cibernéticas contemporâneas os processos de comunicação midiática
disfarçam e escondem o “abduzir” do humano.
Antes
de tudo, “filosofar” diz respeito ao respeito para com o ser humano, ao seu
direito de saber, perceber, compreender, e acima de tudo, de ser livre nas
escolhas e na realização de seu potencial humano. Antes de tudo, portanto,
“filosofar” está na corretude, na hombridade, na justeza de propósitos, na
isonomia, na honestidade, enfim, em uma palavra, que Montesquieu cunhou para a
finalidade da República democrática: na Virtude. O conceito de virtude existe
entre o pensamento e as palavras dos filósofos há mais de 2700 anos, por
exemplo, na Escola Jônica com Tales, Anaximandro e Anaxímenes de Mileto, por
toda a Antiguidade Clássica como em Platão e Aristóteles, característica
própria do Ser, ou em Epicuro de Samos no século III a.C. como o afastamento à
futilidade e aos prazeres banais. Quando Sto. Tomás de Aquino no século XIII se
refere à virtude das leis, é como a essência “divina” dos homens que as promulgam.
Nicolau Maquiavel no começo do século XVI falava da virtù como a vocação do governante para o bem público. Mas foi no
século XVIII que a virtude pretendeu alcançar a dimensão da política. Não por
acaso, Montesquieu achava impossível a efetivação da República democrática como
forma de governo. É que a democracia exige virtude e esta se solidifica com o
comportamento ético e transparente dos cidadãos. A democracia é uma construção
constante e exige uma atenção e dedicação de propósitos lúcidos e atentos de
todos nós. “Perceber” é a finalidade da Filosofia, ao mesmo tempo, “perceber” é
fazer uma “aliança” honesta na construção das sociedades democráticas.
Permito-me
dar um exemplo, da ficção cinéfila. O filme Star Wars, em seus atuais seis
capítulos, é uma parábola sobre o Império e a República romana. Somos levados a
constatar a oposição entre o “despotismo”, representado pelo Império e as
forças negras do mal, e a “democracia”, representada pela Aliança democrática
identificada com as forças do bem e a República. A série de Star Wars tem
muitos silogismos e metáforas importantes, mas restrinjo-me aqui a mencionar
que a atração que temos pelas forças do bem, pela Aliança, a da democracia republicana,
não está diretamente relacionada com algum tipo de vantagem “divina” da
democracia, mas do caráter das pessoas que a sustentam, quer dizer, de sua
filosofia. No filme, o caráter das pessoas que sustentam e ajudam a Aliança
republicana contra o Império, por exemplo, está no modelo espetacular de um ser
de compleição minúscula, sem grandes atrativos estéticos, desproporcional,
enrugado e manco, o mestre Yoda, que é um “alienígena”, mas de repleto de
sabedoria e perfil ético inabalável. Ele e Obi-Wan Kenobi – o Jedi que treina
os jovens Anakin e depois Luk -, são “a diferença que fazem a diferença”, os
mestres filósofos que muitas vezes se punem porque não podem evitar o desvio de
caráter de jovens que, sem experiência e inadvertidamente, se deixam enredar
pela astucia e retórica vã do poder. A Filosofia não se opõe aos “atrativos
estéticos”, a beleza sempre foi buscada como essência do bem viver. Mas a
estética banal que serve à instrumentalização do indivíduo em detrimento do que
é certo, justo e razoável, o “belo” que anestesia e solapa a escolha crítica, a
expropriação da autopoese do Ser,
isso a Filosofia precisa denunciar. Não por acaso as flâmulas propagandistas e
as obras faraónicas dos totalitarismos são tão atraentes aos homens de pouca
filosofia, pouca ética, pouca percepção!
O
que perdeu o jovem Anakin Skywalker - que se transformará sob o domínio do
“lado negro da força”, em Darthvader, e que é o pai de Luk Skywalker, este, “o
redentor” que tem a força em seu lado bom -, não foi tanto a descrença na
possibilidade de a virtude se espalhar por todos os indivíduos da República,
como Montesquieu sentenciou, mas, o que ele perdeu e o levou a perder-se, foi o
esvaziamento do caráter, que, afinal, só pode se realizar finalmente com a filosofia
do Jedi maior, de mestre Yoda, “o alienígena” – quer dizer, aquilo que não se
podia realizar no pai, mais tarde aprimorou-se no filho, “o redentor”, quer
dizer, pensando bem, “o Cristo”. E o que fez a diferença para a Aliança e para Luk
Skywalker foi a sua retidão, a sua justeza, o seu compromisso inabalável com a
liberdade e transparência, eu diria, comunicativa, afinal tratava-se de uma
“Aliança”. Mas esta aliança política que leva o bem a triunfar, precisa de
outras alianças essenciais: com a Filosofia, a dos mestres Yoda e Obi-Wan
Kenobi, e o compromisso com o discípulo Luk Skywalker.
O
que se está tentando dizer é que, no fundo, o mais importante possivelmente não
seja o Sistema de Governo, a Forma de Governo ou o Regime de Governo, mas a
Filosofia de vida e o caráter que movem os indivíduos. Roma, que inspirou George
Lucas, o criador de Star Wars, foi Império por 1.500 anos, de 27 a.C a 1.453 de
nossa Era. Por ele adquirimos a noção primordial de cidadania – quando em 212 o
imperador Marco Aurélio Severo estendeu a cidadania a todos sob o domínio de
Roma; por ele somos Cristãos – quando em 312 no Edito de Milão, o imperador
Constantino proibiu a perseguição aos cristãos; por ele herdamos nossas noções
de Direito, nosso Sistema Jurídico, nosso Ordenamento Jurídico, nossas leis –
principalmente a partir da elaboração do Corpus
Juris Civilis, a mando do imperador Justiniano, em 532.
São
apenas três grandes momentos que nos dão a cidadania política, os valores
cristãos e a primazia da lei na construção de um Estado de Direito. Em
princípio nada há que desabone uma democracia com base em tais valores e
instituições, pelo contrário. Daí, a menos que se considerem tais obras fruto
do “lado negro da força”, dos Impérios mal intencionados e dos imperadores
despóticos e sem caráter, como aparecem em Star Wars, tem-se que pensar melhor
sobre a validade dos estereótipos que não levam em consideração a superioridade
dos valores e intenções dos homens de caráter que se arriscam para fazer a
história. Marco Aurélio foi imperador de Roma no século II de nossa Era, e
deixou-nos uma das mais extraordinárias obras filosóficas da Antiguidade, as Meditações.
A
República e a democracia vencem no exemplo do filme de Star Wars, e sempre
queremos que vençam, não porque são virtudes superiores em si mesmas, que contêm
em si “divinamente” o bem, mas, de fato, porque naquele momento as melhores
pessoas estavam do lado, em aliança, delas. Nossa identificação é com as
pessoas! As pessoas fazem a diferença, para o bem ou para o mal, seu caráter e
filosofia definem onde levam suas relações, onde levam suas alianças. Existe um
aforisma que diz: “A maior virtude do diabo é fazer crer que ele não existe!”.
Talvez isto se aplique aqui: “A maior virtude da democracia é fazer crer que
ela existe per se!”. São os homens
que existem, e de seu caráter e escolhas depende a “competência” humana, em
todos os campos e dimensões. Por isso, mais e mais se lamenta a perda do
conhecimento filosófico e da ética, mais e mais se ganha com um Livro de
Filosofia. E o Direito depende muito disto!
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