Não se trata de falar de exemplos. Todos nós somos o exemplo!
Para minha
mãe, eternamente, que carregou sempre os dois homens de sua vida no útero! Para
minha mãe, que não o sendo, disse aos outros que também o era; carrega agora
mais um homem em seu espírito!
Faz algum
tempo que estou lendo um livro, como um licor precioso ou um vinho muito
antigo, que adivinhamos o aroma e o sabor, mas, de forma masoquista, não
abrimos a garrafa para podermos admirá-lo, para usufruí-lo em doses
homeopáticas, e, depois, lentamente sorvido como o amante vai ao ser amado para
o sentir e não para tomá-lo.
O livro é “A
Milésima Segunda Noite” de Fausto Wolff. encontrei-o por acaso em um sebo há
alguns meses e desde então as 1002 noites são sorvidas e sentidas noite a
noite, umas poucas noites de cada vez. meu livro de cabeceira: rio, rio da
emoção, quedo-me a pensar...
Eis uma
pitada do livro, na 459 noite: “O menino não pediu a chave que encontrou na
casa escura. Nem a noite e nem o medo maior que a noite e maior que a casa.
Socorram o menino com a chave na mão. Ele vai se matar ao abrir o coração”.
Habituei-me
a cada final de semestre escrever algo para os meus alunos, para lhes dizer até
logo, pois logo lá estaremos de novo, frente a frente, o professor e a classe, classes no mínimo com meia centena de indivíduos, cidadãos, humanos em busca de muitas
coisas, jovens e experientes, nem tão experientes assim e nem sempre tão
jovens. inclusive o professor!
Por isso
aprendi em 25 anos de docência e mais de trinta de academia, que a única forma,
nem a melhor, mas verdadeiramente a única com sentido, é olhar de frente para
as pessoas, olhá-las nos olhos, e fazer o coração explodir: “ele vai se matar
ao abrir o coração”! mas é isso que escolhi, é isso que faço, é disso que vivo! um “palhaço” de cara lavada, sem ornamentos e pinturas, sem artifícios midiáticos e favores,
a enfrentar seu público com toda a responsabilidade de fazer-se acreditar, e fazer
acreditar na validade do conhecimento em um mundo sem saber, falar de sabedoria
em um mundo de felicidades instantâneas perversas, tão distantes como a palma da
mão, ou tão fáceis como a impunidade da fofoca criminosa pós-moderna das redes sociais.
Ah!, viver!
Morei em um lugar do outro lado do oceano quando criança, e havia um circo na
frente de minha casa onde nas noites de espetáculo um palhaço cantava, e insistia
em um refrão fadista: “A vida tem um palco ao seu dispor, que pertence a todos
nós. Mas no final, ninguém vai aplaudir, comédia sem valor, que acaba sempre mal”.
na verdade é o refrão de um fado de Tony de Matos, criado para um filme triste,
onde a esposa e o filho único morrem de acidente e fica o esposo/pai desolado.
coisa de português!
Todos
nascemos, talvez não em uma casa escura, mas possivelmente com uma tela em
branco a ser pintada. mas não nascemos com o conhecimento, pincéis e tintas.
quando crianças não podemos pintar nada, faltam-nos os instrumentos para isso.
então passamos anos a acumular esses instrumentos que nos vão auxiliar a pintar
o nosso quadro. daí o medo, e quantos traumas e insanidades temos que provar e
experimentar para isso?! quando chegamos na adolescência, já da posse de uns
parcos artifícios, com os pincéis impróprios e as cores inadequadas, começamos
a pintar nossa obra de arte. achamos então que sabemos tudo, mas não sabemos
nada. mais traumas e quinhentos milhões de ‘nãos’, e o triplo disso de ‘sims’.
quantas verdades, deles e nossas... mas pintamos! e então ficamos adultos,
dizem (sei que é do Arnaldo Antunes). e só continuamos a pintar... apesar dos
instrumentos mais sofisticados que podemos ter e de todo o conhecimento, apenas
alargamos os traços iniciais de nossa tela pessoal, rabiscamos algo aqui e ali,
de vez em quando, preenchemos os espaços e repintamos por cima, e aquela tela
não tem nada, não diz nada. mas é a nossa obra de arte. pois é... e aqui eu
fico pensando o papel do professor nisso, onde está alguém nessa obra de arte
de cada um?!
Só o onírico
tem alguma legitimidade e ele é o que podemos perceber mais perto da realidade.
assim começou o movimento surrealista. sonhei... sonhar é preciso, viver não é
preciso (sei que é do Fernando Pessoa). Quando Hannah Arendt escreveu que existia
uma filosofia nova chamada existencialismo, Sartre respondeu imediatamente que
nem o existencialismo era moderno e nem ele era um homem moderno.
Vale a pena lembrarmo-nos da carta publicada por Janusz Korczak:
A todos o meu mais sincero pedido de desculpas: eu não sou um homem
moderno; sou um professor ‘da antiga’. sinto muito!
Boas-férias escolares aos meus alunos, e sintam-se todos abraçados no
coração (alunos ou não).
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