Ativos reais e tempo disponível: as novas configurações da composição orgânica do capital
O
movimento maior do capital é em direção à acumulação, isto o move. O regime do
capital é apreensível por seu desenvolvimento no todo, mas sua compreensão
científica exige que se reconstituía as conexões internas entre o que se
aproxima do concreto e as categorias que só em sua forma abstrata podem articulá-las.
Assim, as formas elementares do concreto articuladas com as categorias
abstratas revelam como e por que o modo de produção capitalista é o que é e não
pode deixar de o ser e de o fazer. A radicalidade do movimento do regime do
capital exige aprofundar os estudos e as perspectivas em relação a essa
radicalidade do presente histórico, afinal já em muito antecipado no pensamento
dos fundadores da dialética materialista histórica. Não se trata obviamente de
alijar o espectro das ações humanas motivadas contra a desumanidade e negação
da vida, mas as reforçar, por seus agentes, diante e além das necessidades e
possibilidades concretas de sua dinâmica na base desse regime. Perseguimos um
exemplo para isso.
A acumulação é um processo de expansão do valor que só se dá de acordo com a “diferença” entre capitais: paradoxalmente, se ampliam-se parte dos estoques de ativos reais, outra parte decresce – na produção e nos serviços de forma geral, não cresce a massa de força de trabalho com o incremento de máquinas e equipamentos, ao contrário, decresce: o que aumenta é o subemprego, a precarização e o desemprego. Ao mesmo tempo em que o progresso tecnológico “desvaloriza” continuadamente a força de trabalho e o estoque de capital produtivo existente, a economia real esfarela-se e sobem os ativos financeiros fictícios e especulativos.
Daqui
depreende-se que os ativos reais e financeiros não sobem infinitamente ao mesmo
tempo e no mesmo grau[1]:
a “diferença” entre capital fixo (máquinas e equipamentos) e capital variável
(mão de obra) dita a variação na composição orgânica desse capital
sempre em detrimento da força de trabalho, e, sendo assim, em detrimento dos
salários e das taxas de lucro, porque o investimento em tecnologias é sempre
crescente enquanto o mais-valor proporcionado pela mão de obra assalariada
decresce[2].
Se os ativos financeiros crescem com os salários, crescem também em decorrência
da pauperização da classe trabalhadora que não pode consumir (daí o crédito),
do desinteresse na economia real com o risco da diminuição das taxas de lucro,
que a negociação de papeis especulativos favorece. No entanto, sem salários não
há como honrar de forma consistente o crédito negociado nesses papeis, o que
gera as bolhas de “falsa expectativa de liquidez”.
A
economia burguesa tende a não considerar a força de trabalho como ativo real,
quer dizer, aquele que está em condições de produzir riqueza material[3]. Ela não pode fazê-lo
porque teria que considerar o trabalho do trabalhador como gerador de riqueza.
Assim, diferentemente do que se considera, o lucro é gerado pelo
sobretrabalho não pago ao trabalhador, apropriado pelo capitalista como
mais-valor, independente das variações extemporâneas dos preços de mercado.
Daí, que se formos pensar em taxa de lucro, deve-se dividir o mais-valor total
pelo total do capital envolvido na produção do estabelecimento. Como a economia
burguesa não trabalha com a categoria do mais-valor, não pensa desta forma sua
taxa de lucro, e não percebe, mas sabe, que ela tendencialmente está sujeita a
uma queda constante.
Cada
vez que o capitalista inverte parte do mais-valor em máquinas e equipamentos,
aumenta a parte do capital fixo; devido à concorrência os capitalistas procuram
de todas as formas diminuir os custos de mão de obra, o capital variável, e o
conseguem investindo em ativos reais tecnológicos e infraestrutura. Mas, com
isso, dispensam a força de trabalho que gera lucro real (mais-valor); então,
enquanto o valor do capital fixo aumenta continuamente, a massa de mais-valor
diminui constantemente: por isso dizemos que apenas uma parte dos ativos
reais aumentam, enquanto a outra parte diminui. Assim, a taxa de lucro,
o mais-valor em relação ao capital total, tende continuamente a diminuir: esta
contradição, observada facilmente ao longo de todo o processo de
desenvolvimento do capitalismo, faz parte das categorias elementares do
capital, ou leis gerais, que, entretanto, Marx definiu como tendencial.
Este
movimento realiza a dinâmica contraditória (dialética) do movimento geral do
mercantilismo capitalista, e confirma a natureza do regime do capital que
subordina as formas elementares do trabalho. Os movimentos sociais e as lutas
dos trabalhadores se dão dentro desta realidade e, ao mesmo tempo que
escancaram, aprofundam as fissuras no capitalismo. Mas, então:
a)
o espectro da esquerda deve falar das categorias que perfazem o pensamento
teórico do materialismo histórico e da dialética materialista;
b)
não pode descuidar dos aparelhos ou aparatos de dominação do poder e da
hegemonia simbólica;
c)
considerar nas “lutas históricas” o momento do desenvolvimento global do
capital em cada caso;
d)
fundamentalmente, deve reconhecer, a partir de diagnóstico cuidadoso, as
frações de classe trabalhadora e demais assalariados ou ex-assalariados e
excluídos, a quem quer dirigir seu discurso.
[1]
Para comparação, veja-se BELLUZZO & CAIXETA (2024): “No capitalismo
plenamente investido em todas as suas formas, a contradição está abrigada nas
próprias relações entre as formas de posse da riqueza. No movimento
da acumulação, ao longo do processo de expansão do valor, ampliam-se os
estoques de ativos reais e financeiros, ao mesmo tempo em que o progresso
tecnológico “desvaloriza” continuadamente a força de trabalho e o estoque de
capital produtivo existente.” (BELLUZZO, Luiz Gonzaga; CAIXETA, Nathan. Financeirização
e as confusões da história. Jornal GGN, 03/06/2024. Disponível em: https://jornalggn.com.br/economia/financeirizacao-e-as-confusoes-da-historia-por-belluzzo-caixeta/.
Capturado em 15/07/2024).
[2] MARX, Karl. O Capital. livro III, seção III, caps.
XIII, XIV, XV.
[3] Considera-se contabilmente ativo real aquele que: (a) for provável que futuros benefícios econômicos
associados ao item fluirão para a entidade; e (b) o custo do item puder ser
mensurado confiavelmente.
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