A Resiliência Perversa do Capital em Tempos de Pandemia

É triste quando vemos que não conseguimos ainda fazer um processo de formação política, consciência crítica do quadro social e que ainda estamos pautados pelo senso comum.
Os direitos trabalhistas já acabaram e boa parte dos trabalhadores está batendo palma para esta morte anunciada, de si próprios.
Não é possível refletirmos sobre o nosso mundo hoje se nós não entendermos o que acontece mundialmente com a sociedade em que vivemos, que é a sociedade capitalista.
Cada vez mais fica explícito que o problema é o capitalismo e no entanto, a análise social, a análise das pessoas ou o que tange a essa visão de mundo tem sido a mais perdida e afastada desse que é o problema central.
Vivemos o "problema do capitalismo" e infelizmente para a massa trabalhadora não é tão inteligível que a questão é estrutural. As pessoas sabem o que é emprego, desemprego, fim do 13º, fim da justiça do trabalho etc. Não sabem dizer no entanto se o capitalismo vai bem ou vai mal. Para a esmagadora maioria das pessoas, via de regra, a vida sempre foi muito ruim. A economia nunca foi boa: para quem ganha 1000,00, ganhar 800,00 é uma crise, só que 1000,00 é crise também!
Quem ganha 1000,00, 5000,00, 10000,00, não consegue viver o capitalismo. Porque ainda que pague o carro, a vida desse ser humano é uma vida estúpida. Ainda que tenha hospital para o filho, ele não tem sentido em sua existência. Ainda quando tenha amigos, não tem conversa. Quando conversa não tem sentido. Consome. Vive... e um dia a morte chega. A vida deste tipo de sociedade capitalista é uma vida sem sentido que "empurramos com a barriga", com dinheiro ou sem dinheiro, e na maioria das vezes é sem dinheiro; o trabalho explorado nos aliena, para não se entender porque nascemos e porque morremos vivendo para enriquecer uns poucos.
Qual é o sentido desta sociedade cuja única forma de estruturação é a acumulação?
Marx, tão fora de moda e tão proibido de se falar, já dizia que a única lógica de uma sociedade capitalista é a acumulação, só. Não é a vida boa, é a acumulação.
O sentido da vida é simplesmente a acumulação!
Mas não é somente dos 6 mais ricos, mas até o último mais pobre pensa pelo "valor", pensa pela acumulação. Ele é obrigado por força da determinação do capital, ganhando 1000,00, tentar economizar 100,00, porque amanhã ele ficará doente e o remédio custa 200,00. Assim, até o mais pobre dos mortais tem que acumular.
Contudo, essa acumulação hoje está patentemente em crise. Vivemos o capitalismo em mais uma crise. Porque as “empresas”, as “donas do mundo”, não conseguem manter suas taxas de lucro, sendo que a estratégia da acumulação capitalista, num tempo de crise extrema, desdobra-se na exploração de todas as formas, é aquilo que David Harvey chama de capitalismo de espoliação.
Se eu não consigo acumular com as mesmas taxas de lucro, a única forma que resta de manter o mesmo lucro é criar monopólios e espoliar, por exemplo, a empresa dos EUA tem a participação no petróleo e na indústria farmacêutica que faz remédios. O que tem a ver remédio com petróleo? Tudo. A indústria farmacêutica que faz remédio tem seus custos baseados no barril de petróleo.
E o petróleo já não se consegue manter com um preço estável, as pressões dos produtores é sempre para aumentar seu preço (mesmo quando momentaneamente brigam entre si e o preço cai). Tem duas formas de espoliar e aumentar a riqueza: (1) faço uma guerra contra um país (como foi o Iraque) e tomo o petróleo daquele país - o petróleo é dos EUA quando antes era da elite burguesa do Iraque; (2) tomar nas mãos o país espoliado que o entrega (Brasil). Daí dizem, "que bom que entregamos o petróleo aos EUA porque agora não tem mais corrupção". E os  sindicatos lutam por mais direitos...
A experiência dos sindicatos, nas últimas décadas, foi constituída por um ambiente onde o Estado Brasileiro garantia alguns direitos sociais, e uma dinâmica de crescimento econômico razoável. Tudo isso acabou. Agora as pessoas têm "raiva" de sindicato. Têm "raiva" de quem protege os direitos sociais.
O capitalismo contemporâneo esvaziou o sindicalismo e não temos hoje alternativas de movimentos de luta revolucionários. Houve em um momento de sindicalistas no Brasil que até lutou pelo socialismo, que lutou pelo fim do capitalismo, ainda que essa luta estivesse atrelada a partidos políticos. Essa aliança movimento sindical-partidarismo, acabou. A nova geração, via de regra, rompeu com a velha geração de sindicalistas, até porque essa nova geração pede simplesmente mais direitos, não querendo romper com o sistema capitalista.
A nova geração quer República, lei e democracia, ou seja, nomeação de juízes imparciais para tribunais, respeito à polícia federal e o princípio da inocência na constituição... destruição deles por eles mesmos.
O jeito pelo qual nós vivemos em sociedade é uma maneira estruturalmente determinada pelas condições do nosso modo de produção. A pessoa é, na sua subjetividade, o que seu dinheiro permite. Em qualquer sociedade do mundo. E segue um padrão, o padrão da concorrência.
A maior parte das visões sociais por que temos uma sociedade como essa, diz que as pessoas estão ficando maldosas, não têm virtudes. Existe uma análise recorrente que fala, não sem alguma razão, que, ao invés das pessoas serem progressistas, elas aceitam e estão dispostas a perderem direitos, já que as pessoas estão embrutecidas, não fazem auto-reflexão, não olham para o outro, não têm generosidade, não têm fraternidade. Usa-se aqui um juízo moral.
Não se faz em termos de ciência social juízo moral das coisas.
A pergunta é: por que a subjetividade hoje é deste modo?
O que determina cada indivíduo ser deste jeito é a estrutura da sociabilidade capitalista!
O ser humano é explorado. Enquanto explorado ele tem que ter, tem que acumular, tem que buscar alguma coisa para sobreviver e mais, mais e mais. As pessoas ao serem exploradas não conseguem ter o mínimo de inteligibilidade do porquê dessa exploração existir, e não conseguem entender sequer que são exploradas, e então as pessoas dedicam-se, com muito sofrimento, a tentar encontrar sentido e racionalidade para suas  vidas.
Assim, as pessoas começam a pensar que o mundo está certo e que elas que estão erradas, que elas são o fracasso na vida porque nunca conseguiram comprar uma casa, que não têm um carro mais novo e vistoso etc. E é aí que chega alguém e diz: "É porque faltou Deus!".
Estamos constituindo uma subjetividade social com respostas imediatistas, porque a dor é profunda, porque o regime de acumulação privada é perversa, a "dor" vem daqui, não de Deus. Justamente porque são momentos de exploração social profunda "usa-se" Deus, e serão, nessa lógica, muito mais profundos e agravados também em Seu nome. 

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