Pela Mão de Benjamin e Bergson: forma artística do fascismo e a Modernidade (Ensaio)
Um exame
de WALTER BENJAMIN nos leva a pensar a arte em sua metamorfose comunicativa e
questionar o seu papel a partir da Modernidade. Antes a arte era para ver e
inteirar-se sem a tocar, é a distância que inspira, importa a presença
teológica (que paira!). A arte clássica tem áurea
como um culto. Essa áurea se perde com a reprodutividade técnica. Deixa de ser
valor cultual e sim valor de exposição. Não existe mais culto e sim propagação
de imagem. No cinema (treinamento!) a distância se vai. Serve para excitar e o
espaço é um sistema de venda da imagem. ("Supermercado do visível" em
Peter Senje). O cinema pode alterar, manipular a imagem e mudar a percepção,
pode recompor a imagem e entrar na mente do espectador. Por este motivo cineastas
procuraram fugir às manipulações (Tarkovski, Antonioni, Goudard). Isto não pode
acontecer com o pintor (mas é possível com o mágico - e a mágica que manipula a atenção e os sentidos é arte? (Ricardo
Harada)). Ao mesmo tempo Benjamin acreditava que a reprodutividade técnica,
como o cinema, podia levar cultura às massas operárias devido a seu barateamento,
durabilidade e portabilidade expansiva.
Hoje o
digital ampliou essa realidade. Mas o comercial vira entretenimento (Debord).
Semelhante ao Dadaísmo (Duchamp) que queria provocar o choque mesmo em suas
limitações plásticas. Mas o cinema pode ser um projétil. A obra passa a ter uma
qualidade tátil e não contemplativa. Não vemos como isso entra pelo olho e
impregna o cérebro. A arte, moderna e contemporânea, em suas realizações
visuais táteis do tipo digital acompanha seu tempo quanto à reprodutividade
técnica. Não importa se o espectador "faz acontecer algo", ele não
tem tempo para ver e cultuar. Isto pode ser propositado, maquinado para
consumo. Isto se faz por uma percepção tátil como a arquitetura, uma instalação.
Seguindo-se Benjamin pode-se colocar aqui o cinema e todas as imagens
reprodutivas. O visual assim se subordina modernamente ao tátil - o cinema pode
não ser propriamente arte, mas uma forma de parar a contemplação para a
distração e treinamento das massas. O cultuar
ganha outras dimensões: projetar, arrebatar, treinar, naturalizar como o
fascismo e o nazismo bem o sabem. Seriados são táteis. Leilões são táteis.
Murais, grafites, “memes”, intervenções precisam ser apreciadas com cuidado.
Para
HENRY BERGSON existe a percepção superficial e outro tipo em profundidade. A
subjetividade se divide em dois Eu. Superfície e um Eu das profundezas. Neste
se aprofunda o sentido do real. Em Benjamin caminhamos para o automatismo
superficial. Em Bergson mergulhamos pra chegar a algo mais profundo. Mas as
dimensões do Eu se comunicam, duas partes de um só entendimento. O mais
profundo leva a uma transcendência divina (Spinoza).
Até a
Modernidade há que se perceber a beleza formal da invenção, dos espaços,
superfícies, cores, excluindo o que não tem relação intrínseca com as coisas. A
reflexão se dirige às formas. Mas agora o Kitsch é mercadológico, é entretenimento,
comercial. No Kitsch o conteúdo já está na obra, quando não o espectador se
funde ao autor e/ou curador [kitsch pós-moderno]. Na obra de arte moderna a reflexão
do espectador deve extrair esse conteúdo - e/ou criá-lo. Ele não é suspenso
para cultuar ou convidado ao profundis,
mas a ser o criador – o que cria já contém em termos o entendimento profundo. O
popular e o erudito devem eclipsar-se, ambos capazes de efetuar essa leitura -
portanto, não existe a necessidade da suspensão que deve ser recriada
profundamente. O real é então minimalista... A essência do objeto é mostrada...
A tragédia, e o seu final apoteótico, devem ser escancarados. Eis a armadilha:
a manipulação técnica faz provar do conteúdo já projetado, as massas se sentem
felizes, elas podem entender a obra, se sentem partícipes de seu destino, é a verdade revelada que leva [de fato não!]
da superfície à profundidade. Na obra artística clássica se exige o
distanciamento, na obra moderna o contato, lá a renúncia, agora a cumplicidade.
E esse é o perigo, o perigo da reprodutividade, não apenas da obra, mas das
formas ideais, das formas sociais. A obra revela-se, dirige para o conteúdo que
todos podem verificar.
Algo se
dirige contra a ideia que a pintura poderia representar o mundo?! Mas
precisamente no caso da pintura, a pintura modernista pode desvencilhar-se do primado
das formas, da harmonia e das cores, sem possibilidades de reprodutividade, sem
definir o real e o papel de seu resgate ideal. É o caso do Fauvismo (Rouault), Expressionismo
(Munch), Abstracionismo (Kandinsky), do Surrealismo (Dali) ou do Cubismo (Picasso).
Assim os regimes fascistas da primeira metade do século XX foram ambivalentes e
expuseram pela arte toda a sua paranoia inverossímil: usaram a panfletagem, a fotografia
e o cinema para a reprodutividade dos conteúdos, o teatro e as artes plásticas “realistas”
como modelos construtivistas mercadológicos e de entretenimento, ao mesmo tempo
em que perseguiram os artistas de vanguarda e suas obras, pois estas poderiam
levar o público à contemplação e ao estado reflexivo onde todas as
possibilidades de conteúdo podiam estar presentes. Ao mesmo tempo as obras
clássicas eram lidas como símbolos de grandes civilizações a serem reconstruídas,
enquanto era vedada a experiência da sensibilização e da facticidade histórica
que os produziu. (As civilizações Grega e Romana tiveram momentos gloriosos de
democracia e abomináveis de imperialismo e dominação).
O pós-moderno
é popular. Possibilidades morrem e novas aparecem dinamicamente. Existe uma
melancolia... A melancolia trata-se de uma crítica sem tempo. Algo dura ou não
na mesma velocidade, até aparecer algo a suplantar. Já existe uma saturação do
tátil, das imagens que nos subjugam. Nem se pode mais entender o que subentende
e o que faz subsumir. O fim está em permanente fim e recomeço. Não existe o
passado e só o presente importa: isso é pós-moderno. Ele é ausência de futuro,
vem depois da ideia de futuro. As pessoas não param para contemplar, fotografam
e passam, elas circulam. Consomem a obra de arte circulando! E pagam para isso!
Inversamente, contemplar [pausar!] é [era!] então estar no presente, e isto possibilita
o pós-alguma-coisa-no-futuro, nos faz viajar para trás e para frente, de um
ponto a outro. Contemplar é ser contemporâneo da obra de arte, ela não morre e
vive em nós quando a vimos. Ela nos faz suspender no tempo e com isso se “suspende”
a si mesma. Isto que faz o presente ser eternidade: a obra que se contempla(rá)
sobrevive ao seu tempo. O contemporâneo pós-moderno não quer ser contemporâneo.
Mas a arte insiste em querer ser contemplada, a nos chamar para a possibilidade
de ver algo além do que vivemos de imediato, consumindo. Deve existir algo
especial na obra de arte, intempestivo nas possibilidades de vir a ser. Uma
atmosfera fora de seu tempo. Não parece profícuo, nem justo, que aquilo que
interessa é apenas o que vai vir.
Contudo, como contra o tempo, para trás e para frente, ele virá. Mesmo o fruto
precisou um dia ser a semente da árvore, assim como o fruto queimará na terra a
sua semente.
[1] A partir de um seminário de David Lapoujade, Instituto Tomie Ohtak, São
Paulo, 21 de maio de 2019.
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