A Diferença da Diferença (ou a Desigualdade Ninfomaníaca de Lars Von Trier)
Nos tempos de “pós-modernidade” tudo e todos parecem aderir
ao extremo relativismo do tipo existem vários tipos de violência, vários tipos de
racismo, vários tipos de escravidão, vários tipos de amor, e de ética etc, etc,
etc. Mas só existem dois tipos de desigualdade: a desigualdade material e a
desigualdade imaterial. Aquela se refere aos bens e serviços necessários à
sobrevivência humana, enquanto esta se refere à condição ontológica de
realização do espírito humano.
No âmbito da sobrevivência material os homens se encontram
irremediavelmente no coletivo, como “necessidade”, “carência”, “indigência” e
“medo”; não o fazem porque querem, mas porque não podem fugir da sua precariedade
material e fragilidade natural. Só no coletivo, só no grupo, no “rebanho”, para
usar as palavras de Nietzsche, almejam a sobrevivência. Neste sentido, os
homens parecem acreditar que a desigualdade deles frente à natureza e ao
cosmos, sua inferioridade e pobreza, pode ser resolvida, pelo menos contornada
satisfatoriamente na vida coletiva, social e política. Por isso vivemos em
“grupo”. Hume e os demais utilitaristas têm razão, nesta perspectiva,
quando afirmam que a vida social não passa de um conjunto de convenções visando
a sobrevivência e que leis e máximas morais são medidas por sua utilidade a
esse propósito. Parece, contudo, desconhecer o fato que os homens acreditam que
podem sobrepujar as carências e fragilidades individuais quando concorrem na
formação social repudiando a desigualdade inevitável e inelutável do ponto de
vista da produção de víveres e demais condições materiais de sobrevivência.
Seja como for, o fato é que a vida, do ponto de vista da luta contra a
“indigência”, demonstra descaradamente que a desigualdade material parece
resistir aos meios e às formas coletivas de produzir as condições dignas de
existência humana, e a coletivização dessa sobrevivência não consegue ultrapassar
a miséria, a doença, a fome até a inanição total de milhões de indivíduos. Sem
falar do acesso à educação, à saúde, alimentação, trabalho, lazer, mobilidade,
assistência jurídica e judiciária, cultura etc, etc, etc. Afinal, o que está
errado? Afinal, “rebanho” para quê? Afinal, o “Admirável Mundo Novo” está aí
como jamais imaginamos... O que aconteceu de errado com a “vontade geral” de Rousseau?
Existe outra diferença, ou outra desigualdade, a desigualdade que o espírito livre almeja. Aquela diferença - no plano da desigualdade material -, entretanto, desaparece nos níveis de consciência dos homens "comuns". Nietzsche a chama de "má consciência", no sentido que não é a consciência própria, livre e autônoma do indivíduo, mas a "consciência do rebanho", a consciência possível para o homem social, criada e distribuída uniformemente no seio da coletividade. Marx o havia dito de outra forma: é a vida material que condiciona a consciência e não a consciência que condiciona a vida material. A superação da "má consciência" só seria possível pelo niilismo, que deve ser entendido como uma força capaz de "fugir" a essa consciência de grupo, a esses valores coletivos, a essa observância de regras forjadas na penúria, por causa dela e contra ela. Que momento mais nefasto ao indivíduo, essa determinação ontológica primordial da consciência e dos seus valores, esse momento de sobrevivência contra a penúria, o medo, a miséria?! Que momento mais atroz, significativamente desmerecedor para o Ser, essa origem coletiva dos fundamentos sociais do certo e errado, do bem e mal, do ético e não ético, do desejável e indesejável, do temor e ousadia, do pudico e perverso, da ordem e desordem, do racional e do herético, do normal e do patológico, da infâmia e da nobreza, e mais uma lista infindável de condições da "ficção" coletiva de existir. Para Heidegger a vida se faz nas escolhas entre esses condicionamentos e o homem - o ser-aí-no-mundo - vive, ou, de forma simples, deixa de existir, exatamente nessa fuga, nesse "salto", nessa opção de "anticristo". O niilismo deve desacreditar nessa "má-consciência", nessa vontade dirigida, nesse sentir "estranho" e exterior. Mas, em uma volta, sobre si mesmo, acreditar em si mesmo, ou o Ser cuja filosofia é crítica da filosofia. Aqui, a desigualdade imaterial, a dos "pássaros-de-livre-voo", faz toda a diferença. Em sociedade, e em uma sociedade materialmente desigual, esta é a diferença da diferença, quase um sonho, uma utopia, uma infâmia, uma doença, algo bizarro, uma aberração.
Joe, no filme Ninfomaníaca de Lars Von Trier, é a aberração, a doença, o infernal, em uma palavra, o anticristo. Ela representa o niilismo que recusa o "racional" e a "decência", portanto, também a "má-consciência", o "rebanho", o domínio do que não é sua propriedade - como em Max Stirner -, o exterior e a exploração social do corpo, da sensualidade e do prazer. Joe não sabe amar. Joe não tem prazer. Joe é a encarnação do "mal", do "devasso", e por isso, Joe é o estranhamento às convenções, o repúdio ao amor convencional, é a forma dela condenar a parábola do "pássaro pintado" de Jerzy Kosinski. Para a redenção do indivíduo, da vida, do Ser, de ser. Joe é a Esther de Balzac, a cortesã que afinal todos querem ter em sua cama (ou divã?), mas não se perde qualquer oportunidade para a escorraçar. Mas o "prazer" sublimado pelo sofrimento do cristianismo, pelo capitalismo, pelo comunismo, pelo "professorismo", pelo juridicismo, pelo cinismo e pelo egoísmo, os "ismos" do pastoreio, desconhece a fortaleza de poder apenas ser, "sentir-que-é".
Em uma passagem do filme, Joe diz, com relação à linguagem, que a sociedade quando não consegue explicar o conceito de uma palavra, simplesmente a exclui. Exclusões linguísticas são exclusões de vida. Refere-se a ela, claro. Ou a vida é indecifrável e a consciência coletiva sequer dá conta de como ela é, ou a ficção do existir humano é uma incógnita egoísta e punitivamente mentirosa. Algo assim está em Wittgenstein. A vida de cada indivíduo é um design; cada indivíduo deve encontrar a sua árvore, uma árvore única!
Joe, no filme Ninfomaníaca de Lars Von Trier, é a aberração, a doença, o infernal, em uma palavra, o anticristo. Ela representa o niilismo que recusa o "racional" e a "decência", portanto, também a "má-consciência", o "rebanho", o domínio do que não é sua propriedade - como em Max Stirner -, o exterior e a exploração social do corpo, da sensualidade e do prazer. Joe não sabe amar. Joe não tem prazer. Joe é a encarnação do "mal", do "devasso", e por isso, Joe é o estranhamento às convenções, o repúdio ao amor convencional, é a forma dela condenar a parábola do "pássaro pintado" de Jerzy Kosinski. Para a redenção do indivíduo, da vida, do Ser, de ser. Joe é a Esther de Balzac, a cortesã que afinal todos querem ter em sua cama (ou divã?), mas não se perde qualquer oportunidade para a escorraçar. Mas o "prazer" sublimado pelo sofrimento do cristianismo, pelo capitalismo, pelo comunismo, pelo "professorismo", pelo juridicismo, pelo cinismo e pelo egoísmo, os "ismos" do pastoreio, desconhece a fortaleza de poder apenas ser, "sentir-que-é".
Em uma passagem do filme, Joe diz, com relação à linguagem, que a sociedade quando não consegue explicar o conceito de uma palavra, simplesmente a exclui. Exclusões linguísticas são exclusões de vida. Refere-se a ela, claro. Ou a vida é indecifrável e a consciência coletiva sequer dá conta de como ela é, ou a ficção do existir humano é uma incógnita egoísta e punitivamente mentirosa. Algo assim está em Wittgenstein. A vida de cada indivíduo é um design; cada indivíduo deve encontrar a sua árvore, uma árvore única!
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