Em Busca das Causas Perdidas II - Nietzsche (entre amigos!) e o Direito

Já escrevi neste blog sobre a “verdade” e as implicações, do ponto de vista filosófico, para o Direito, de forma primordial quanto ao pressuposto que este seja capaz de promover a “justiça” entre os homens. Promover a "justiça" significa que o Direito seja eficiente na prevenção quanto ao poder-de-fazer-ou-obrigar-a-fazer e eficaz quanto ao tratamento posterior a este fazer, quer dizer, o fato, quem, como, por quê, em que circunstâncias etc. Sem a “verdade” o que seria a “Justiça”?

Também já escrevi aqui sobre os aspectos filosóficos e algumas teorias sobre “vontade” e “consciência”, que precisamente envolvem esta problemática fundamental ao Direito, a de saber afinal em que bases valorativas se pode juridicamente coagir a não fazer algo, a exigir que se faça algo e a julgar e castigar em função dessas diretivas não cumpridas. Sem identificar “vontade” com “consciência” como “justiçar”?

Tenho me referido à “verdade” de forma epistemológica, mais na tradição das discussões gregas sobre a possibilidade de o homem chegar à “verdade”, e a partir dela, elaborar racionalmente um pensamento “universal” sobre o que é “certo” ou “errado”. Neste sentido, a questão da “verdade” remete diretamente à questão moral daquilo que se deve considerar como o “correto”, o “bom” e o “bem”. É uma sutileza que nos passa despercebida: quando acreditamos que algo-é-verdadeiro o traduzimos como “bom” e o desejamos como sendo o “bem”. Logo, se existem “verdades”, existe o que é “bom”, o que é “correto”, o que “deve” ser executado. Da constatação de algo como “verdade” chegamos, assim, a um paradigma moral, o “bem”. Do mundo da epistemologia ou conhecimento chegamos ao mundo dos valores ou “consciência”!

Pensando melhor, temos vários problemas neste paralelismo, nesta simbiose, nesta identificação, como se um termo fosse sinônimo do outro:
1. Procura-se um conceito universal para a “verdade”, logo para o “bem” e o “correto”, em uma tentativa de reduzir a existência – principalmente a humana! – a algo comum, mediano e ordinário (o Direito precisa muito de conceitos como o “homem-médio”, “comportamento-médio-esperado”, a “ordem”);
2. Obviamente, nem tudo que-é-verdadeiro é “bom” e serve ao “bem”; o “mal” e o “mau” são tão verdadeiros como o seu contrário – tanto em termos de conhecimento como em termos de “vontade”, “consciência” etc. (o Direito parece desconsiderar de forma diluviana que o indesejável pode ser “normal”, como o avestruz que esconde a cabeça no buraco da terra achando com isso que o seu predador não a verá);
3. De forma geral, tende-se a achar que “vontade” e “consciência” andam de forma incondicional de mãos dadas, assim como se acredita que a “consciência” emana da “verdade”, e se separa, no homem, em virtude da razão, e porque este homem é racional, a percepção “praticamente infalível” do comportamento “correto” e “ético”, a-cada-situação-problemática e diante de todas-as-circunstâncias (o Direito precisa dessa estabilidade que advém do “tipo ideal humano”, da presunção do homem “bom” per se, acreditar que algo como 80% dos homens é assim – claro, os restantes 20% são “bandidos”, “infames”, “psicopatas”, neste sentido da “normalidade” entendida como esta capacidade - a “saúde” é isto: o capaz de usar a razão universal e perceber e optar sempre, independente de circunstâncias, pela ética ontológica, mal ajuntado Aristóteles com Kant, tardiamente, iluministamente etc.);
4. Desconsidera-se, por conseguinte, que fora a razão – instrumento do pensar -, a “consciência” - quer dizer, o “estar ciente”, o “saber”, e o depósito que faz na parte que conseguimos relembrar, a memória -, só é “verdade” ou adquire esta propriedade porque se reproduz no processo social através da linguagem, que por ser comum, vulgar, pode, exatamente, juntar os homens na sua luta contra a “indigência” (por isso o Direito moderno visitou tanto os filósofos da comunicação, como Wittgenstein, Habbermas, Chomsky etc., e precisa hoje, mais do que nunca, da hermenêutica e da lógica interpretativa, como em Viehweg e Perelman etc.).

Este semestre proponho-me a estudar estas questões com mais profundidade, como fundamento para um novo projeto que ora início, o de escrever sobre Nietzsche e as implicações de sua filosofia para o Direito. Vou falar sobre isto com meus alunos. Espero que gostem.

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