A Dignidade do Palhaço


O filme O palhaço cujos atores principais são o Selton Mello e o Paulo José, nos respectivos papéis de Benjamin-palhaço-Pangaré e Valdemar-palhaço-Puro-Sangue é uma ótima pedida. Cada palhaço tem a sua graça, assim como cada ator tem o seu talento e quando o talento dos dois se funde, este se torna uno e os dois palhaços se “transformam” em palhaço único. E, para mais deleite dos espectadores, não só de palhaços vive o circo e nem o filme, a menos que assim o queiram. Há outros personagens fabulosos como a dançarina cospe-fogo, o “homem listrado”, da perna-de-pau, os impagáveis músicos, a garotinha, cria da trupe que representa a permanência necessária do circo em nossas vidas e tantos outros que fazem o colorido e diversificado universo circense. Há ainda aqueles personagens externos ao circo como, por exemplo, a moça, por quem se interessa Benjamin, o vendedor de mapas fake, os mecânicos, o “justo” delegado (grata surpresa) e a encantadora-moça-cortadora-de-cana. Feitas as brevíssimas apresentações e os pitacos sobre o filme de Selton, parto para o que mais me emocionou na “horaemeia” de projeção da fita. Selton consegue imprimir a dignidade do palhaço não só em Pangaré e Puro-Sangue, mas em todos os personagens verdadeiramente pertencentes àquele circo. É lindo de ver a fortaleza dos princípios éticos que permeiam a “família” de artistas diante da penúria quase sempre presente no circo mambembe. De modo geral, a trajetória dos circos mambembe meio que se repete. Ele chega à cidadezinha, causando alvoroço pela novidade. O público se apronta para ver o espetáculo e, os artistas se aprumam para dar o melhor de si, em todos os sentidos; a despeito de suas carências no sentido material, pois no sentido moral têm para dar e vender. Ali, a marmelada só é encontrada na fala do apresentador: “Rrrrrrrrrrrespeitável público: hoje tem marmelada? Tem, sim, senhor. Hoje tem goiabada? Tem, sim, senhor.” E assim vai, até quando levantam acampamento e desmontam a lona para levar a sua dignidade estampada no rosto para apresentá-la à outra freguesia. Assim também ocorre com muitos brasileiros que, apesar das dificuldades do dia a dia, da carência disto e mais daquilo e daquilo outro, prosseguem em sua jornada, portando altivamente a sua dignidade, seja se espremendo feito sardinha enlatada, seja pendurados, prestes a cair, tal qual fruta madura, em algum desses trens que vêm de e vão para muito longe, deixando as carências sempre lá para trás, pois dia sim dia também tem de haver “espetáculo”. E assim a brava gente prossegue em sua rotina até que, certo dia, descobre que houve “marmelada” em outro circo que não naquele do palhaço. E, alguns, em sinal de protesto, lançam mão do nariz de bola vermelha para protestar e lembrar àqueles que se apropriaram do que não lhes era de direito de que a dignidade do verdadeiro palhaço de circo é a mesma daquela grande parcela do povo brasileiro que é honesta. E de que não abusem dela, pois ser palhaço e pessoa honesta não significa ser trouxa, mas detentor de sabedoria e paciência suficientes para, por exemplo, escolher aquele que terá melhor capacidade para honrar o seu voto quando chegar o momento da próxima eleição dos seus representantes. Neuza Maria de Oliveira é publicitária pela ESPM-SP e estudante de Direito na UMC-Campus Villa Lobos-SP

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Filosofia do Direito

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