Navegar é Preciso!


Mais um ano se passou. Mas o que é o tempo?! Marcelo Gleiser tem tentado explicar a questão do tempo para os leitores da Folha. Tempo linear (Newton), tempo relativo (Einstein), espaço-tempo, curvatura do tempo, tempo quântico... Sinceramente, ou eu não entendi nada, ou não é para entender mesmo. Os homens sempre tiveram a necessidade de contarem o tempo. Inúmeras são as formas de calendários feitos pelos humanos: usamos a posição dos astros, as estações do ano, os ciclos de vida na natureza e até o ciclo da fertilidade feminino. Qualquer calendário é tão bom como outro. Então porquê damos tanta importância a essa coisa que chamamos tempo? Eu acho que é uma questão de poder, ou mais propriamente, de impotência. No fundo, a nostalgia que procuramos transformar em alegria neste período de "final de ano", é para continuarmos a acreditar que temos o controle sobre o tempo, consequentemente, temos o controle sobre nossas vidas. Isso pressupõe que dominamos o presente e podemos formatar os acontecimentos futuros. Principalmente aqueles que achamos incidirem diretamente sobre nós. Pensando bem, é muita pretensão. Geralmente é assim mesmo: o poder é pretensioso!
Mas podemos ver essa alegria de outra forma. Spinoza (1632-1677) dizia que quanto mais pretensiosos, mais os homens desvelam sua impotência. Ele estava crente que o grande mal da humanidade era acreditar que a razão era suficiente para explicar o Universo e que a angústia humana cessaria quando os homens dessem o devido valor à naturalidade das coisas e dos fatos. O problema é que isto implica que devemos aceitar a impotência de controlar o tempo, como que envolvidos na contingência histórica. Os fatos são, as coisas são, nada há que lamentar (como na música de Edith Piaf "Non, Je Ne Regrette Rien"), não existe futuro, o passado tem pouca valia para as ações presentes, a vida é melhor quando não exacerbamos os acontecimentos que a ela pertencem.
Lembro de Borges quando diz que depois que morremos os "objetos" ainda por aí estarão. Talvez por isso tenhamos tanta necessidade em marcar a "ferro e fogo" o tempo histórico, para deixarmos nossa marca! Daí a prepotência do poder; daí, singularmente, a angústia e o ressentimento que caracterizam nosso tempo, que impregnam nossas vidas!
Nietzsche (1844-1900) acreditava que nossas aflições derivavam do ressentimento, do remorso e do ascetismo: colocar a culpa nos outros, colocar a culpa em si mesmo, colocar a culpa no incognoscível. Obviamente, deriva disso que o emplastro de nosso espírito exigirá dos outros uma solução para os males que nos afligem, o que dará, paradoxalmente, mais poder aos que consideramos culpados pelas desgraças, ou nos levará a uma autoflagelação enfraquecedora, ou à ambivalência da esperança da paz absoluta no paraíso ou à condenação eterna no fogo do inferno.
O que um final de ano tem de especial talvez seja pensar como efetivamente "ocupamos um espaço bem pequeno no abismo das idades" (Umberto Eco). Já que não nos resta senão, "desde quando tive como destino a inteira humanidade, na minha mente acolher os cimos e os abismos" (Fausto, Goethe), talvez seja a hora de deixar de lado as angústias derivadas do tempo, do passado e do futuro, e alçar vôo em direção à plenitude singela de simplesmente sentir a vida como um dom, como um momento da eternidade a ser saboreado com luxúria (como no filme "A Festa de Babette").
Todos os momentos desta existência, desta viagem cosmológica, deveriam ser assim saboreados. O cotidiano nos atordoa e nos perverte através dos "imperativos hipotéticos" dizia Kant (1724-1804), e nossa ética se esfrangalha a olhos vistos, desvelada sem pudor e sem constrangimento por cima de tudo e todos. Já não temos "Temor e Tremor" (Aos Filipenses 2:12; Kierkegaard (1813-1855)). Tampouco de nós mesmos sentimos algo. Este é um momento excelente de reflexão sobre os outros tantos momentos em que não refletimos!
Como o poeta disse "Navegar é preciso. Viver não é preciso" (Fernando Pessoa).
Boas Festas a Todos! Naveguem muito!
Agradecido por tudo! Que os Espíritos de Luz vos acompanhem pela Eternidade!

Comentários

  1. Que lindo texto, caro amigo!!!
    E se navegar através do tempo é preciso, creio que serei sempre uma embarcação com as velas içadas...a espera de algo melhor, muito melhor...
    Um grande beijo - Feliz 2009
    Nanci

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  2. Mestre com sempre sábio em suas palavras,a ética para vc é a essência da alma,algo que se desfaz nos tempos modermos,mas é algo que plantou em nossas almas,como nosso mestre.

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