Os Tipos Psicológicos no Direito Penal (II) - Cristianismo e Thomas Hobbes

Uma das principais linhas de pensamento quanto aos tipos psicológicos no direito penal, é sem dúvida a que vai do “pecado” à “maldade” do homem. Fundamentado na tradição judaico-cristã, este pensamento está na base, por sua vez, da justificativa de intervenções penais sempre crescentes, incisivas e mais violentas por parte do estado e de suas forças de segurança, servindo o Sistema Penal a este propósito repressivo-punitivo.
A partir do mito bíblico de fundação com relação ao ato insurrecional de Adão e Eva, grande parte da Idade Média, em pensadores, por exemplo, como Sto. Agostinho (354-430), o “pecado original” é responsável pelo comportamento humano inexoravelmente demonizado. Este ato insurrecional do casal no paraíso é então colado em nosso DNA, e o homem é sempre um ser pecador, quer dizer, egoísta, violento, desobediente e possuidor de uma maldade inata. A certeza desta demonização é tão grande que justifica, desde o medievo até o presente, uma intervenção dupla de “forças salvadoras” tão poderosas como inquestionáveis: a igreja e o estado. 
Não por acaso que as principais correntes de pensamento moderno que versam sobre o positivismo jurídico, são, do ponto de vista dos sistemas penais, dogmáticas, discípulas diretas das leis de talião e processos inquisitoriais sacrificiais de todos os tempos. O direito penal moderno e, de forma geral, os ordenamentos jurídicos mais vingativos estão na continuidade direta das punições mítico-sacrificiais, dos faraós (ordálios), dos exemplos sacrificiais radicais do judaísmo (Abrahão, Moisés, Noé, Lo etc), dos suplícios romanos (destroncamento, esquartejamento, crucificação, empalação etc), das torturas medievais e cremação pública de pessoas vivas, do sofrimento humano generalizado e penas degradantes e morte, no tempo dos reis (como nas Ordenações que vigiam em território brasileiro). Tais punições, se de um lado afirmavam o poder dos soberanos no quanto de sofrimento e degradação humana, por outro, alimentavam “as boas intenções” de salvação religiosa das almas demoníacas.
Uma rara exceção pode-se verificar no período helênico, aproximadamente do séc. IV a.C. (inspiração em Platão e Aristóteles)  ao séc. II-III de nossa era (neoplatonismo), onde prevalecia a ideia forte de cidadania, assembleia e plebiscito, autocomposição jurídica, direito processual com denúncia e julgamento público, a filosofia como educação e formação de um homem ‘completo’, entre outros.
A herança maniqueísta e sacrificial-punitiva moderna encontra-se, igualmente, em pensadores renascentistas como Thomas Hobbes (1588-1679), cujo tipo psicológico oscila entre a maldade ontológica, o medo da perda de propriedade e a violência generalizada. É bem verdade que o pensamento deste autor é sucessivamente pervertido em nome exatamente da justificação punitiva e uma intervenção mítica-estatal agressiva e desproporcional. Em termos desvirtuado pelos adeptos do estigma pecador ou da filogênese da maldade humana, na essência a tese de Hobbes destina-se à justificativa da cunhagem violenta, desproporcional e vingativa daquele que possua poder para reprimir as condutas humanas sempre tendentes à guerra, ao assassinato, à maledicência. Para Hobbes, a escassez de víveres e a situação de mendicância humana são incontornáveis; daí deriva o medo de todo o homem em perder o que tem, em ser roubado, em ser morto para que fiquem com o que é dele (tese muito próxima dos utilitaristas, como Hume, Mill, Bentham, Malthus). Não havendo, em estado natural, quem imponha regras duradouras e gerais para regular a propriedade (as coisas que se tem) e judicializar o medo (achando que uma lei não exerce sua força no sentido de eliminar o medo, mas de reforçá-lo em relação apenas, tão somente, ao detentor do poder), o egoísmo se estabeleceria entre os homens e o estado de guerra seria permanente.
Nestas condições, diz Hobbes, os homens se destruiriam e, assim sendo, é melhor que um soberano absoluto imponha o medo pelo poder e estabeleça as regras de convívio social, mesmo que para isso um grau razoável de injustiça de tal ditadura seja preferível à destruição geral da sociedade. Portanto, não se devem ter ilusões quanto à gênese violenta do homem e, ao mesmo tempo, quanto à condição per se de desigualdade inelutável humana. Logo, ao que parece, uma desigualdade enorme e perene deve ser combatida com uma violência radical por parte do soberano ou de quem tiver poder para tal.
Neste sentido pode-se pensar que, sendo o estado de escassez permanente e intransponível, a excepcionalidade da governabilidade se justifica de forma permanente e desumana para muitos (Carl Schmidt: "soberano é aquele que governa em estado de exceção").
Talvez aqui esteja de verdade o que importa ao estado hoje, como à igreja medieval de sempre: selecionar, higienizar, eugenizar, orientar as políticas e ações públicas para a formação e supremacia dos mais fortes, dos superiores, dos eleitos etc. Eis ao que pode estar efetivamente a atender os ordenamentos jurídicos e sistemas penais hodiernos. Daí a insistência no caráter "pecador" e "mau" do homem!

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