Em Busca das Causas Perdidas III - Para Uma Introdução ao Abolicionismo dos Sistemas Penais Modernos (1)

O mundo jurídico moderno foi construído a partir do fim do Império Romano e da ascensão, como alternativa, do Cristianismo medieval. as grandes revoluções do século XVIII e a filosofia iluminista não foi capaz, para além do tecnicismo formalista do Direito, de nos capacitar para um sistema penal provido de razão, bom senso e humanidade. longe disso, só carregamos as tintas no fundo negro da injustiça e nas pinceladas vermelhas do sangue do martírio. os muros, as cercas, as câmeras, e os meios eletrônicos de comunicação pessoal, regional e global, estão por aí como que parentes consanguíneos do controle, da vida matricial, do difamatório, da impunidade, de um lado, do mau caráter, de outro, da moeda. vivemos um mundo do fim dos homens! portanto, estamos perto do fim do Direito, do mundo direito do Direito. Tomás de Aquino: "a lei só pode ter utilidade como lei, se a lei for desrespeitada": ele referia-se à lei natural que quando desobedecida sugere a lei posta pelo soberano. desde então tentamos justificar a tal da lei posta pelo soberano: no fundo, toda a filosofia jurídica e política procura a legitimidade da lei posta, ou seja, de onde emana o poder e como posso justificar a obrigatoriedade de cumprir, julgar e punir pela lei do Estado.

No mundo clássico antigo, em Atenas do séc. IV, defendia Aristóteles, que só o direito público, ou justo total, deveria ser escrito (o justo legal). nos controversos privados, ou justo particular, deveriam se esgotar todos os recursos para a autocomposição, se fosse necessário, com a ajuda de árbitros. o homicídio involuntário era resolvido entre as famílias (desde o Código de Dracon no séc. VII a.C.); prostituição era assim considerada apenas como pagamento de dívidas (foi abolido por Sólon no séc. VI a.C.); os prazeres e os excessos eram coibidos apenas com a filosofia (veja-se Epicuro a Meneceu (Carta sobre a Felicidade) - séc. III a.C.); as esposas faziam greve de sexo para obrigar os maridos a ficarem em casa e não irem à guerra; o status da mulher e da família se agiganta como poucas vezes visto na Antiguidade, com a criação do Testamento e a Adoção de filhos ou as relações extraconjugais no caso de infertilidade (Aristóteles em A Constituição de Atenas); a educação deveria ser pública e responsabilidade primeira do governante (Platão na República - séc. V a.C.); o pior malfeitor é o indivíduo que utiliza o conhecimento só para proveito próprio (Aristóteles em Ética a Nicômaco - séc. IV a.C.); a República - coisa pública - é a melhor forma de representar os interesses da plebe, porque imita a harmonia da natureza (Cícero em Da República - séc. I a.C.).

Ações públicas, em Atenas, pelo menos a partir do séc. V a.C., eram a recusa de contra oficial a prestar contas, impiedade, suborno, registro falso, matrimônios e negócios que prejudicavam a coletividade; na "corte" ou tribunal do Areópago, julgava-se, preferencialmente, homicídios premeditados, incêndio e envenenamento, considerados os delitos mais repulsivos; o direito processual é mais importante que o substantivo; os julgamentos são públicos e todas as atividades jurídicas são obrigações do cidadão, não renumeráveis; os juízes são sorteados e as partes se defendem pessoalmente ou com ajuda dos amigos, parentes, vizinhos, filósofos; o livre-convencimento dos juízes fundava a hermenêutica jurídica. a partir pelo menos de Ésquilo, a poesia conclamava à circunstância dos fatos, à fragilidade existencial do homem, portanto, à tolerância e ao fim da vingança nos tribunais humanos (Oresteia - séc. V a.C.).

A lista de desconstrução da tutela estatal, em termos modernos, é quase "inarrável" e "inalcançável" por nossos compêndios jurídicos penais! e a lista é muito maior que esta!

Nosso Direito começou assim! se Dracon foi "pesado", os legisladores seguintes, como Sólon, fizeram uma revolução quanto à humanização do Direito e democratização política do Estado (Clístenes - séc. VI a.C.; Aristides - séc. VI a.C.; Péricles - séc. V a.C.).

O que aconteceu?

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Livro Ética no Direito

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