Utopias, Ecopolítica e Violência

Thomas More
Pra Bia, onde ela estiver, com muito amor!

Thomas More (1480-1535), escreveu em 1516 um livrinho fabuloso, cujo título "Utopia", remete a uma ilha desconhecida no meio do oceano e onde grande parte de nossos costumes e valores são completamente diferentes. As utopias são assim, diferentes, tão diferentes que são capazes de nos deixarem pensativos se não existe mais razão e bom-senso nessas imaginações do que no mundo real em que existimos, daí que as forças da ordem nos incutiram a ideia de que uma utopia é sempre algo falso e inalcançável. 
Destarte essa perseguição, o fato é que os homens são mais homens quando sonham, o mundo "gira e avança como uma bola nas mãos de uma criança". É, a criança não teme, não se inibe, desconhece o certo e o errado, está se lixando para a verdade e o que parece apenas plausível. Utópicos são assim, homens com coração de crianças e mentes insanas. Epicuro dizia que "a inatividade significa torpor, e a atividade, loucura".
"Utopia" alimentou os sonhos por séculos, alimentou as teorias mais revolucionárias do século XIX - Marxismo, Anarquismo, Niilismo -, as mais pós-modernas como o Existencialismo e ainda as mais contemporâneas como a Ecopolítica de Slavoj Zizek. Uma utopia é um tremendo chute no traseiro das ideologias petrificadas, das políticas perniciosas das classes dominantes, da dogmática empedernida da doutrina e das práticas jurídicas. Zizek: "Há dois tipos de cinismo: o cinismo amargo dos oprimidos que desmascara a hipocrisia dos que estão no poder, e o cinismo dos próprios opressores que violam abertamente os seus próprios proclamados princípios". 
Slovaj Zizek
Quer um exemplo? Thomas More dizia que "de qualquer forma que se olhe, esta massa imensa de gente ociosa parece-me inútil ao país, mesmo na hipótese de uma guerra que poderíeis aliás evitar todas as vezes que o quisésseis". A Ecopolítica de Zizek como premonição à quase 560 anos atrás: 1. ele se refere aos lacaios, aos soldados, aos bobos de corte, os prepostos dos poderosos de então, reis, príncipes, clero, latifundiários, burgueses, pessoas que deveriam trabalhar, mas vivendo na ociosidade obrigam os que trabalham a jornadas longilíneas e extenuantes lhes retirando a possibilidade do descanso e do estudo; 2. ele se refere às guerras sem sentido que os poderosos engendram para se manterem hipocritamente na ativa, condenando milhares de pessoas em busca de bens e riqueza que, bem vistas as coisas, têm mais o objetivo geopolítico como base do poder do que proteger o povo, ou seja, a guerra sempre escraviza mais do que liberta, principalmente aos mais pobres. Epicuro de novo: "Queres ser rico? Pois não te preocupes em aumentar os teus bens, mas sim em diminuir a tua cobiça".
Onde fomos parar? Em um mundo sem razoabilidade, sem proporcionalidade, sem justiça, cuja violência se espalha como aquele vírus que vai paralisando o corpo dos homens dos pés ao coração, proporcionando a consciência da morte lenta, mas sem nada a ser feito a não ser presenciar a deterioração de seu próprio corpo e vida (analogia com a obra de Jack London, a "Peste Escarlate"). 
Durante séculos as utopias procuraram incentivar a consciência dos homens e excitar sua imaginação no sentido de seriamente se equacionar o non sense de nossas atitudes e as vantagens imensuráveis da colaboração, da fraternidade e solidariedade, afinal a grande razão pela qual as sociedades apareceram: proporcionar vantagens na epopeia humana na terra e desenvolver as melhores condições materiais e espirituais para que cada indivíduo possa desenvolver plenamente suas potencialidades (como Durkheim). Só agora, talvez, diante da destruição em massa de humanos e natureza, de um lado, e dos perigos desastrosos das mais avançadas tecnologias, possamos olhar para as utopias renascentistas e modernas como as únicas a nos "livrar do mal, amém!" Zizek: "O Espírito Santo é o partido comunista primordial". 
Um índio Cree uma vez disse: "Somente quando a última árvore for cortada, somente após o último rio ser envenenado, somente após o último peixe ser pescado, somente então o homem descobrirá que dinheiro não pode ser comido". Talvez o "somente" esteja perto, e a natureza nos obrigue àquilo que nossa insensatez egoísta e perversa se recusou a ver e praticar!
Agora me falem de violência... Qual delas? A dos meninos de rua, a dos meliantes esfarrapados, a dos mendigos esqueléticos, a dos roubos famélicos, dos dependes de crack, ou das raparigas e dos rapazes de programa? Ou vamos falar da violência da falta de educação, de condições mínimas de sobrevivência material, da exclusão social, ou da indignidade do conluio, da prevaricação e corrupção do poderoso, dos projetos megalomaníacos a arrecadarem propinas monstruosas, dos mensalões, do dinheiro na cueca, dos dólares em paraísos fiscais? Vamos falar de qual violência, daquela que se combate com punição exacerbada sobre os miseráveis, com truculência oficial e tortura oficiosa, dessa coisa chamada sistema penitenciário brasileiro, desse rasgar incólume, desdenhoso e aviltante da Constituição jogada aos pedaços em nossas caras? Daquela de falta de informação, escolaridade, formação, ideologia egoísta disfarçada de bons e santos costumes? Veja o que Thomas More escreveu em seu "livrinho": "E, na verdade, viver no prazer e na riqueza, enquanto o povo sofre e se lamenta, é mais digno de um carcereiro que de um rei".
Prendemos, julgamos, punimos, matamos, destruímo-nos há milhões de anos, mas nunca como agora!

Comentários

  1. Como sempre magnífico em suas análises professor," Dinheiro,pra que dinheiro se ela nem me da bola ". Um forte abraço. Sem Mais Sergio Ricardo de Paula

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Agradecido pela participação. Verifique se seu comentário foi publicado.

Livro Ética no Direito

Postagens mais visitadas deste blog

Ensaio sobre a transmutação do homem burguês: o Estado em John Holloway - Parte I

Intercept Brasil: Um conto de duas corrupções

ANTROPOLOGIA GERAL E JURÍDICA - 6a. Edição

LIVRO SOCIOLOGIA JURÍDICA (7a. ED. ADOTADA)

A História de Filocteto: Entre o Altruísmo e a Compaixão

A Modernidade de Madame Bovary