Pedagógicas: Pena de Morte e Santa Maria
Li, um dia destes, um texto ‘inusitado’,
daqueles que dificilmente entrariam pela porta da frente de casa. Por nada em
especial, simplesmente porque essa casa respirou sempre conforme os ares da
ciência. Além disso, o texto refere-se a uma das principais controversas que os
brasileiros terão que enfrentar, muito em breve, apesar das opiniões e dos
grupos fortíssimos que lhe emprestam cores quase fanáticas. Refiro-me à Pena de
Morte.
Talvez o ‘inusitado’ do texto que
li esteja mais no fato de exatamente discutir, dar opinião, esclarecer de um
determinado ponto de vista menos empírico e cartesiano, algo tão concreto e
preocupante como a Pena de Morte. Eu achei maravilhoso: tendenciosamente eu não
consigo aceitar esse tipo de pena, e poderia aqui elencar fundamentos que vão
desde Jesus até a exaurida e escatológica perversidade de nosso sistema penal.
Mas não é isso que quero fazer aqui.
Há muitos e muitos anos atrás eu
descobri num baú em minha casa um livro de um escritor que se apresentava como
Caryl Chessman: ‘2455 – Cela da Morte’ (1954). Esse indivíduo foi sentenciado e
morto em uma câmara de gás no dia 02 de maio de 1960, em San Quentin no estado da
Califórnia. Li esse livro aos 12 anos, sob os auspícios e protetorado de minha
mãe: meu pai não queria que eu o lesse, por isso escondido estava no baú e para
lá voltou... escondido. Nunca, nunca mais, pude esquecer aquelas páginas,
aquele grito de vida e o sofrimento implícito naquelas letras. Esse sujeito
defendeu sua inocência até o dia de sua execução pelo gás. Na verdade eu não
tenho compaixão por esse sujeito, quem sou eu?, mas desde então tenho compaixão
pela humanidade. Não sei se ele fez o que disseram e se o júri de maioria
feminina tinha provas suficientes para isso, quer dizer, não estou alarmado com
o processo jurídico em si, mas sempre fico indefeso diante de toda a
animalidade de um ato humano bestial capaz de matar ‘legalmente’ um indivíduo.
Agora descobrimos, em Santa Maria,
chorando, o horror à la nazista, o
que é morrer intoxicado por gás! A sofisticação da morte legal se adiantou
muito nestes anos todos, mas isso não muda nada: como se esquecer de filmes
como ‘À Espera de um Milagre’ e o personagem John Coffey interpretado pelo
inesquecível Michael Clark Duncan (morto em setembro de 2012), ou ‘Código de
Conduta’ com Jamie Foxx no papel de promotor público? Não existem erros possíveis
que justifiquem a ganância, o desprezo pelo outro, a irresponsabilidade quando
somos letrados, a ineficiência quando possuímos conhecimento, a desumanidade
quando estudamos. Isto não quer dizer, obviamente, que não existam pessoas
instruídas muito piores que outras menos letradas, e vice-versa.
Heidegger descobriu que a palavra
grega logos, normalmente usada para
definir conhecimento, também significa discurso, discussão. Discursar é o
processo de linguagem através do qual tentamos responder a uma questão que nos
foi submetida, por alguém, ou por nós mesmos. Não deveríamos estranhar tanto
ver pessoas discursarem ‘consigo mesmo’. O discurso apenas tenta responder, por
conhecimentos prévios, a problemas. E em princípio tudo que nos cerca, todas as
coisas, todos os fenômenos, todos os fatos, e os outros, são para o pensamento
humano ‘problemas’. Podemos usar a razão para entender melhor e comunicar
melhor nossos pensamentos, por exemplo, de forma coerente e fácil.
O discurso usa a razão para
comunicar o pensamento. Não existem verdades, apenas interpretações e disso nos
servimos como humanos. Por exemplo, que importância faz ‘como’ e ‘por que’ alguém
pode escrever algo assim, discursar assim: “A função da justiça penal, dentro
da civilização considerada cristã, é, acima de tudo, reeducar”? Ou isto: “Só a
educação, alicerçada no amor, redimir-nos-á a multimilenária noite da
ignorância”? Todas as interpretações e todos os discursos podem ser válidos se
abandonarmos as certezas, as verdades, os fanatismos acadêmicos, religiosos, ‘globais’
e os de senso-comum, e estes também os há.
Vivemos um mundo de ‘verdades’ e
ainda assim tão sem perspectiva! Temos quase tudo que jamais imaginamos para
nosso conforto e ócio, e ainda assim estamos tão sozinhos e pobres! A ascese
que proponho: Subir a mais alta montanha, além das nuvens, em tempo descoberto,
ou descer aos confins subterrâneos gélidos de uma caverna, só, levando consigo
toda a história humana. Ainda será preciso ‘olhar’ em volta. Então, talvez possamos
sentir que, no conjunto, pouca diferença existe entre Caryl Chessman e,
digamos, Chico Xavier, ao menos pela luz que incidem em meu coração. Educar é
um ato de coragem e um ato de amor! Educar-se é uma escolha de engrandecimento espiritual!
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