Sociologia Jurídica


PREFÁCIO À 2ª. EDIÇÃO

Em seu discurso de posse no Collège de France (Da Condição Histórica do Sociólogo), em 1970, Raymond Aron dizia: “Ainda é preciso que o engajamento anime a pesquisa, sem que as preferências partidárias desajeitem nossa percepção”. Aron era um liberal!
A minha geração, a dos anos de 1960, nasceu e cresceu embalada pela “guerra fria”, impregnada pela escolha ideológica entre esquerda e direita. Mesmo nos mais longínquos rincões do globo todos estavam, querendo ou não, submetidos a esta bipolaridade política. Eu vivia na África subsaariana e contava com pouco mais de 11 anos quando fui avassaladoramente tomado por esta consciência. Debaixo de um regime fascista de direita, poucos jovens tinham sequer informação suficiente para discutirem e optarem por algo. Nos anos seguintes, então, os acontecimentos geopolíticos deflagraram em minha volta atrocidades inimagináveis para um jovem que, assim, passou quase da infância para a maturidade sem experimentar a adolescência. Mas eu tive sorte: tive pais que nunca me proibiram de ler e discutir nada, muito pelo contrário. Acreditei então que Woodstock era mais importante para mim e para a humanidade do que o Vietnã. Idealismo talvez. Mas foi assim que me tornei sociólogo, muitos anos antes de ingressar na Universidade quando já adulto.
Apesar de perspectivas e circunstâncias não muito favoráveis este livro chega à sua 2ª. Edição. Pode parecer pouco, mas é muito: as coisas dos anos 60 e 70, e mais ainda as experiências dos últimos trinta anos, formaram em mim uma personalidade de repúdio à condescendência ociosa com a desumanidade. Isto está neste livro! O formato essencialmente didático do livro levou algumas pessoas a acreditarem que se tratava de mais um manual de Sociologia para o Direito, o que, em certa medida, não deixa de ser verídico. Mas basta ler a Introdução para se perceber que este é um “manual” crítico, motivo pelo qual as perspectivas de reedições são sempre pessimistas, principalmente em ambientes conservadores e tempos “ternos” com os micrototalitarismos de nossa modernidade. Neste sentido, espera-se que a formatação didática da obra ajude a criar uma consciência proativa que se indigne e combata a realidade perversa que nos envolve, a todos.
A presente edição, agora com o nome Sociologia Jurídica: Fundamentos e Fronteiras mantém o estudo do pensamento dos autores clássicos da Sociologia aplicado ao Direito, acrescida de dois novos capítulos: Aspectos Jurídicos nos Períodos Históricos e Biopolítica: Racionalidade e Banalidade da Violência. Procedeu-se a uma minuciosa revisão e ainda que uma ou outra pequena alteração de grafia tenha sido necessária para melhor compreensão de conceitos e idéias, o conteúdo e as explanações são exatamente as mesmas, preservando-se desta forma o livro como apresentado na 1ª. Edição.
Raymond Aron, no mesmo discurso, menciona que “Na verdade, não há sociologia revolucionária, embora sociólogos possam sê-lo”. Acho que mais e mais isto é uma verdade. A época dos grandes discursos e das grandes narrativas parece estar cabalmente encerrada. Ter a pretensão de formular grandes opiniões e divulgar grandes idéias é caminhar a passos largos e firmes para a incompreensão, ingratidão e perseguição, meio ao ambiente consagrado à alienação e descompromisso com a verdade. No entanto, “Chega o tempo, quando vai se travar a luta pela dominação da Terra e ela será travada em nome de doutrinas filosóficas fundamentais”, dizia Nietzsche. Paciência, pois! Certas opções são eternas para o espírito. Aprendi com Kierkegaard que a opção pela retidão de propósitos forma uma personalidade ética que coloca cada individuo diante de um salto de qualidade que não pode mais ser violado, pois está formulada com base em máximas morais inabaláveis. Por isso, no mundo em que vivemos alguma “desobediência” é tão necessária e revolucionária quanto foi o pensamento e a ação de autores e do povo em outras épocas históricas. Cada um de nós pode fazer a diferença para muitos em cada lugar a cada segundo na existência. A começar por nós mesmos!
Termino como Aron terminou seu discurso: “Possa vossa confiança, caros colegas, ajudar-me a reduzir o intervalo entre a destinação, que eu me atribuía antes de 1939 (antes de 1975 – no meu caso, creio eu!), e um destino que minha própria filosofia me proíbe de não assumir, apesar das circunstâncias: a plena responsabilidade”. Acredito que a indústria, o conhecimento e a tecnologia, podem servir a qualquer fim, inclusive à racionalização do assassinato em massa do poder sobre os indefesos. Entrementes, os jovens (os de espírito, claro, não apenas os de idade biológica!) têm hoje mil vezes mais informações do que tínhamos em 1970. Eles têm mais informações, mais conhecimento, são mais inteligentes e podem ter maior sabedoria. Por isso acredito, também, que a responsabilidade e solidariedade podem emprestar aos homens e às suas ciências, como o Direito, a razão necessária para optarem por valores de liberdade e justiça social. Este livro continua sendo uma singela contribuição no plano sociológico e jurídico para consumar essa opção. Continuo um idealista!

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Livro Ética no Direito

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