A Sociedade Não Pode Delinquir?
No mundo da utopia deverá haver responsabilidade penal da pessoa jurídica?
Não existe responsabilidade penal
da empresa por homicídio. O homicídio é crime de responsabilidade penal pessoal, subjetiva. Empresas “não cometem
crimes”, são pessoas jurídicas, entes coletivos autônomos da pessoa física. Das
diversas teorias existentes, que se curvam ao capital, a que ainda prevalece é
a responsabilidade penal da pessoa jurídica em crimes ambientais pelo condicionamento à identificação da pessoa
física responsável. Mas há enorme
dificuldade de identificação para responsabilização penal da pessoa física na
prática de crimes ambientais cometidos pelas empresas.
Há outros tipos penais que os
executivos das empresas podem ser responsabilizados criminalmente. Os
engenheiros que atestaram pessoalmente o bom funcionamento das barragens
assinaram esses laudos (que podem ser fraudulentos, obtidos por vantagem
indevida etc.), e podem até ser acusados de homicídio (direito penal da indiferença!),
mesmo assim será difícil condená-los, por conta de nossa legislação que prevê o
dolo (vontade de matar e consciência). E a prisão preventiva não se sustenta
porque ela exige um rol bastante taxativo (com “saltos carpados hermenêuticos”)
para sua permanência, o que não quer dizer que em um estado de calamidade e
consternação geral isso não aconteça “politicamente” (como no
caso Lula).
Agora o que quero chamar a
atenção é que os post que indicam que
os presidentes das Empresas não são presos porque são a elite, escondem algo mais importante
para nós: a pergunta deveria ser "por quê uma empresa privada não
pode ser responsabilizada penalmente por homicídio e uma quantidade infinita de
outros delitos, ditos subjetivos?" Por que a
lei é assim? Simplesmente porque as empresas no sistema de livre mercado estão
aí para reproduzir o capital e a acumulação privada nas mãos de seus acionistas
privados! Por isso ela é protegida penalmente! Isto que precisa ser entendido:
a empresa capitalista é a guardiã do capital. Por tabela, o seus acionistas, o
conselho de administração, o presidente e os executivos e funcionários do alto
clero são protegidos. O que está em jogo aqui é o capital e não a vida humana!
Só!
Mas vivemos em uma situação de mais absoluta barbárie. Então podemos perguntar: "De quem é a culpa?" Em um regime democrático burguês o "voto" é a invenção representativa mais significativa. E ele leva as massas a acreditarem que participam realmente da vida política. Mas quando as massas elegem déspotas que em conluio com as elites do capital conspiram contra a própria democracia liberal que os elegeu, a quem responsabilizar? Para a classe burguesa isso parece inicialmente de pouca monta - na verdade os burgueses e seus guardiães acreditam até o último momento, quando o fascismo os converte em seus serviçais e haverá de converter a propriedade em desapropriação estatal, em busca de poder, de recursos e realizações megalomaníacas de cooptação das massas nacionais paupérrimas, até estes momentos derradeiros a burguesia acredita que pode a qualquer tempo reverter o quadro intervencionista e psicótico de terror onde se tornou fantoche. Mas então será tarde. E uns e outros, capitalistas e cidadãos "perguntam-se atônitos de quem é a responsabilidade pela barbárie"?
Da mesma forma que a pessoa jurídica, não existem nas propaladas democracias sob o regime de acumulação privada do capital mecanismos "democráticos" para a responsabilização da massa de cidadãos, que se "escondem" agora debaixo do sacrossanto manto da inimputabilidade objetiva/ coletiva. Porque a Sociedade não pode delinquir!, conforme o Papa Inocêncio IV. De qualquer forma, em todos os casos a reprodução do capital no regime mercantil necessita de empresas e de indivíduos para trabalharem e consumirem as mercadorias que as primeiras jogam no mercado aos borbotões. Tudo o que for fundamental ao sistema de mercado será, de alguma forma, "diluído" e a forma jurídica aí estará para justificar essa diluição antiética, pelo menos até que os próprios indivíduos caiam em si meio a uma realidade distópica de miséria material e moral, quando forem absolutamente "virtuais" à reprodução do capital.
Portanto, ainda que seja estarrecedor de alguma forma, defender a inimputabilidade da coletividade é tão afirmativo do capital quanto a defesa jurídica da ilicitude da empresa como pessoa jurídica, salvo legislação especial quando existe a "desconsideração da pessoa jurídica" (crimes ambientais), pois em ambos os casos essas "entidades" macro estão, ao que parece, protegidas de responsabilidade criminal porque são fundamento à reprodução do capital.
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Bibliografia:
1. Sérgio Salomão Shecaira. Responsabilidade Penal da Pessoa Jurídica. Rio de Janeiro: Elsevier, 2011.
2. Philip Pettit. Teoria da Liberdade. Belo Horizonte, DelRey, 2007.
3. Mancur Olsen. A Lógica da Ação Coletiva. São Paulo; EDUSP, 1999.
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