Impressões de Viagem

Impressão 1
Muitas vezes ouvimos os governantes se gabarem de suas proezas no governo e sabemos que são mentiras. Isso é ruim, não só a mentira em si, mas porque nos faz desacreditar da política e da ação do poder público. Mas quem viaja neste momento por este país constata uma verdade: uma quantidade enorme de famílias está nas estradas de férias, para muitas possivelmente suas primeiras férias. É fácil perceber isso. São brasileiros que normalmente estavam alijados desse tipo de consumo, o lazer, que lhes é de direito. Nisso podemos ver o resgate de milhares de brasileiros que ascenderam socialmente.
Impressão 2
Fiquei impressionado com a quantidade de caminhões nas rodovias. Nossas rodovias são povoadas por esse tipo de transporte, mas o que me chamou a atenção foram a quantidade de máquinas agrícolas, tratores, empilhadeiras, escavadeiras e de terraplanagem sendo transportadas para cá e para lá. O Brasil está “bombando” produtivamente e a economia em crescimento acelerado incentiva a produção desse tipo de capital produtivo.
Impressão 3
Lamentavelmente nossa malha rodoviária continua sendo a única forma de escoamento da produção e interligação modal, o que é ruim, pois como não temos investimento em transporte ferroviário, fluvial e marítimo à altura de nossas necessidades, pagamos com lentidão o deslocamento da produção, encarecimento de frete e, portanto, o preço final das mercadorias sobe, além de maior poluição e dependência do petróleo (diesel) o que degrada nosso ecossistema e qualidade de vida.
Impressão 4
A Régis Bittencourt (BR116) é a principal ligação entre muitos Estados, principalmente entre São Paulo e o sul do país, como o Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Ela foi “privatizada”, pelo sistema de concessão de exploração e hoje cobra pedágio, na ida e na volta. Lamentavelmente existem longos trechos dessa rodovia que estão em péssimo estado, com asfalto esburacado e queda de barreiras por todo o lado. Eu viajava bastante pela Régis e era uma desgraça (já tive um acidente sério por conta de buracos nessa rodovia). Acho que já deveria estar bem melhor do que está. Ou a agência reguladora do governo não está fazendo o seu serviço de fiscalização adequadamente, ou o contrato de concessão que fizeram foi uma droga.
Impressão 5

Fiquei com a impressão que no Paraná 1+1 não são 2, e que quando se fala “A” significa “mais ou menos A”. No começo achei que era “sacanagem”, ou apenas aproveitamento de certas situações de carência de infraestrutura turística, mas depois percebi que além disso, existe uma certa cultura do “mais ou menos”, ou “do pode ser”. O estacionamento que a pousada me indicou estava garantido, não precisava fazer reserva (isso porque liguei duas vezes), quando cheguei estava cheio, mas podia arrumar uma vaga descoberta por R$ 20,00 o dia, quando o preço informado pela pousada era de R$ 10,00 para a descoberta e R$ 15,00 a coberta. Embarquei no “talvez” e enfiei o carro no quintal de uma moradora, debaixo da cobertura da sala de estar da moça que mora lá e que toma conta do estacionamento 3 KM à frente. Na pousada (guia quatro rodas) me deram um “quartinho” de 1 m², com uma cama de casal (eu reservara para dois!, vi o quarto com duas camas, mas... vai falar que cama de casal não é para dois?!), só que era para eu e o filho. Disse que não era aquela a foto que estava na internet e recebi a seguinte resposta: -Eu sei senhor, esse quarto sempre me dá problema. Desarmado, falei para o Siddhartha: - Foi honesto. E o Siddhartha: - É, para os padrões daqui foi! Tudo bem, estava de férias, numa ilha que é o paraíso, negociei e tudo se ajeitou: troquei de acomodação três vezes em uma semana! Só mais um exemplo (tenho catalogado 14 situações em uma semana!): a cerveja no cardápio diz que é R$ 7,00, mas descobri que conforme o humor do atendente pode chegar a R$ 9,00 ou sair por apenas R$ 5,00. Saí da ilha sem saber quanto era a cerveja que lá tomei (só Skol, pessoal!).
Impressão 6
E a moça da recepção que tinha acabado de chegar da Argentina, que esteve na Suécia, que nsceu na Ilha do Mel, cujos pais são nativos e ainda ali residem: toda vez que eu agradeci ela me respondeu “– Não havia necessidade”. Eu queria “apenas” um “-De nada”, mas ela nunca me “desobrigava”. Ficava sempre com a sensação que ela estava a me dizer: “-Bem não precisava agradecer, mas já que disse obrigado, talvez esteja mesmo”.
Impressão 7
A Ilha do Mel, Há!, a ilha.
Atente para o Forte construído pelos portugueses: CONSIDERADO INDEFENSÁVEL! Mas reforça a minha tese: abaixo da linha divisória, tudo pode ser “mais ou menos”! A qualidade das fotos é para ser perdoada!
Impressão 8
Bateu um papo com o pessoal, ficou amigo. É impressionante. Por isso eu disse: não é “sacanagem” é “cultura”. Eu explico: existe uma necessidade fantástica de contar casos, de se mostrar, de ser e fazer, enfim, a autoestima é ENORME. Então a forma de entender o que significa exatamente 1+1 ou o “A”, ou o que faço com o estacionamento, ou qual é o quarto, ou o preço da cerveja etc., é CONVERSAR. E aí é um jogo de linguagem, um jogo de inteligência, mas de humildade e amizade, pois obriga a uma negociação permanente, sem imposições de ambas as partes. A democracia exige processos comunicativos como jogos de poder linguísticos. Fiz amigos no Paraná!
Impressão 9
O Caco
foi para a ilha com 27 anos de idade e nunca mais saiu de lá. Casado, uma filha. Trinta anos desenhando mandalas, perspectivas de Escher, devaneios lisérgicos, horta orgânica, incenso e uma paz natural tão intensa que fiquei com inveja. Comentei com um amigo sobre ele esses dias e escutei: “- Alguns de nós tinham coragem naquela época.” Prometi ao Caco que voltaria, depois do papo sobre o “Sidarta” de Hermann Hesse. A frase que está ao fundo é "Queres pouco terás tudo, queres nada serás livre!". O desenho acima é do Caco.
Impressão 10
Se o maldito do carro não tivesse quebrado na volta, no meio da serra de Paranaguá, três dias em Curitiba (o cara da oficina queria cinco dias úteis para consertar – eu quebrei em uma quinta, mas estava preparado para a “guerra linguística do sul”!), o limpador do vidro dianteiro que rasgou bem debaixo do dilúvio na rodovia, e da sinusite-rinite-gripe-faringite-amidalite alérgica do Siddhartha, tudo teria sido conforme planejado. Questões semânticas e linguísticas à parte, “navegar é preciso, viver não é preciso”. Ano que vem eu volto!
Feliz 2011 a todos com muita paz, saúde e sucesso. Fiquem bem.

Comentários

  1. Vi em suas palavras um pouco do que foi essa viagem e apesar das pecularidades que só acontece quando resolvemos sair de férias tenho certeza que no final foi bom connhecer a Ilha do Mel...
    forte abraço

    Marcia Tavares/Umc

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