Eleições, Voto e Partidos


Na última enquete deste blog o item mais votado, oportunamente, foi Eleições.
Esta semana um aluno me perguntou qual a minha religião. Eu tinha acabado uma aula sobre filosofia medieval, contrapondo o pensamento de Sto. Agostinho ao de Lutero e Calvino e depois apresentando a importância da obra de Sto. Tomas de Aquino. Então eu perguntei-lhe: - Depois do que eu falei, a qual religião você acha que pertenço? E ele me disse: - Não sei professor, o senhor encarna de tal forma todos os autores e representa tão bem todos os pensamentos, que é difícil saber. Sabem, eu fiquei feliz com essa declaração. Acredito que o papel do educador é se esforçar para passar da melhor forma o conteúdo de um pensador, de uma época, analisar um fenômeno ou fato histórico, como se ele mesmo fosse esse personagem ou um viajante que vivesse os acontecimentos, mas sem a necessidade de dar testemunho de suas preferências ou opções. Por isso mesmo, muitas vezes, uma exposição pode parecer contraditória. O mais importante, acredito, não são as minhas convicções, mas a possibilidade de passar informação que possibilite as pessoas decidirem por si mesmas. Não existe certo ou errado. Cada indivíduo deve escolher com liberdade suas opiniões e preferências, usando a sua consciência e ética. O único limite às escolhas pessoais é o respeito aos outros, ou seja, os deveres que a cidadania nos obriga.
Neste sentido gostaria de atender às preferências da enquete do blog pelo tema Eleições, mas vou me restringir a comentar alguns pontos apenas com o intuito de ajudar – se a isso posso almejar?! – nas escolhas do pleito do próximo final de semana.
Primeiro – As eleições desta vez parecem demonstrar que efetivamente existe uma bipolaridade, entre dois grandes partidos do cenário nacional. Esta bipolaridade parece ser forte não apenas para presidente, mas também nos estados. Neste sentido, estaríamos mais votando em um “plebiscito”, do que exercendo o direito de escolha, que envolveria outras possibilidades e a participação de um debate político mais fecundo. Isto é o que dizem os candidatos de partidos menores. Mas grandes partidos também não se mostraram interessados em discussões políticas de alto nível. Por ouro lado, é bom lembrarmos que grandes e históricas democracias, com instituições democráticas asseguradas e respeitadas, tendem igualmente ao bipartidarismo, como no caso dos EUA (republicanos e democratas) e Inglaterra (monarquistas e trabalhistas). Eles não podem estar tão errados assim.
Segundo - A política é o espaço da luta de ideologias: quem as tiver catalisa as discussões eleitorais; os demais partidos se coligam ou precisam se esforçar para aparecerem com suas propostas de acordo com as pretensões do eleitorado. Nada demais que exista essa bipolaridade no cenário político nacional nos últimos pleitos: esses partidos foram os que após a democratização do país batalharam por suas ideologias e projetos sociais diferentes para a sociedade brasileira. Os outros se acabrunharam, ou, estrategicamente preferiram se “esconder”.
Terceiro – Claro que nem todos se “esconderam”: os partidos pequenos são importantes para a democracia. Na verdade eles possibilitam que pequenas minorias ideológicas ou grupos minoritários na sociedade possam encontrar no sufrágio universal e na democracia alguma representatividade. Isto é principio das democracias modernas, que o governo possa lembrar que elas existem. E é por isso que o Brasil tem o voto proporcional. O voto proporcional fortalece os partidos evitando que o voto seja sempre direcionado a “pessoas” – os velhos coronéis de sempre. Claro que sempre existem as legendas de aluguel, que se “vendem” para subtraírem votos de outros partidos, constituir um tempo maior de publicidade, uma parcela maior de recursos para a coligação, ou mesmo para obterem favores dos grandes ficando do lado deles nas votações legislativas. Mas isto deve ser coibido com legislação e não merece nosso voto. Desconsiderar partidos pequenos pode ser perigoso para a democracia porque as minorias não estariam participando da política, levando a reações desastrosas. Em um país multicultural, multirreligioso, etnicamente diversificado e economicamente desigual, os pequenos partidos fazem sentido. A concentração de grandes partidos exige uma identidade nacional coesa e instituições políticas fortes e consolidadas. Não é nosso caso.
Quarto – No outro dia recebi um e-mail apregoando o voto nulo dizendo que se houver mais de 50% de votos nulos a legislação eleitoral obriga a novas eleições com outros candidatos. Pura besteira: só são considerados os votos válidos, isto é, os nulos e em branco são desconsiderados para efeito de validação das eleições. O maior problema para a democracia são estas manifestações no mínimo ridículas, pois a grande virtude do regime democrático é o voto, principalmente se o modelo é o representativo. Eu aceito que alguém ache autoritário ser obrigado a votar, mas sempre pergunto: “Imaginando que não fosse obrigatório o voto no Brasil, você aceitaria ser governado e obedecer a um governo eleito pela minoria de votos válidos?” Nos países em que o voto não é obrigatório, seja quem for que ganhe o pleito, seja qual for o número de votos populares, ele governa sem o risco de golpe. E aqui, governaria?
Quinto - Pense: 1. A conquista do voto é uma conquista das classes excluídas e pobres da sociedade, uma conquista de séculos, com muito sangue e muitas vidas perdidas. 2. Ser cidadão não é exigir apenas direitos, mas, sobretudo, quando a democracia e a liberdade correm riscos, o dever de participar. 3. A quem interessa que você não exerça o direito e o dever de votar, ao poderoso ou ao que não tem poder algum? 4. Por pior que se acredite que não se tem opções, é infinitamente melhor escolher o político sério que espera uma oportunidade, o partido nanico que tem uma ideia diferente, do que simplesmente anular seu voto ou votar em branco – lembre-se que na ditadura o voto em branco e nulo somava ao partido do governo militar.
Sexto - A democracia é uma construção permanente e o mais débil regime, mas o único inventado até hoje que resgata a importância e dignidade de todos. Os partidos são a forma encontrada de canalizar nossas convicções na democracia representativa. Nossa democracia está sendo construída. Pode ser que efetivamente não encontremos candidatos que correspondam aos nossos anseios, expectativas ou ideologias de sociedade, mas deve-se fazer o esforço para encontrá-los. Por esse esforço eles surgirão. O que acontece muitas vezes é que a corrupção e a descrença nos valores de liberdade nos libertam da obrigação de sermos responsáveis na vida coletiva. Temos, quiçá, uma preferência por elegermos qualquer um e depois falar mal durante quatro anos. Esse comodismo e essa apatia são incompatíveis com a democracia. Se procurarmos com atenção e com cuidado, muitas vezes perto de nós, acharemos quem valha a pena dar o voto de confiança. Além disso, podemos escolher, nos cargos não majoritários, votar na legenda, no partido – no caso de deputados estadual e federal.
Sétimo – Democracia é a luta de contraditórios, de ideologias, o embate de forças. Se você nega a política - as ideologias e as utopias -, nega a si mesmo. Por outro lado, não há dúvida que no estado moderno o bom governo é aquele que oferece resultados sensíveis na melhoria de vida das pessoas. Então temos que ter cuidado com a oposição entre liberdade e igualdade. Infelizmente as sociedades humanas ainda estão longe do dia em que haverá igualdade com liberdade. De certa forma, os dois primeiros mandatos para presidente visaram estabelecer a estabilidade econômica e política depois de anos de inflação e ditadura, procurando algum desenvolvimento. Os últimos dois mandatos estiveram mais voltados para a distribuição de riqueza e assistência aos menos favorecidos, aprofundando o desenvolvimento. O perigo é a perda da liberdade. Quando o foco é a construção da igualdade, se o governo vai bem, tende a invadir os limites da liberdade. Nas eleições precisamos ficar atentos a isso, não há dúvida. Mas também precisamos pensar que sem igualdade e distribuição de riqueza um país não poderá dormir em paz, nem por força das possibilidades revolucionárias nem do ponto de vista da ética. A história da humanidade prova que um governo que não pode assegurar a igualdade para todos, não pode manter por muito tempo a liberdade – e a igualdade - para uns poucos. Contudo, a liberdade é inegociável.
Oitavo - Votar em partidos diferentes, distribuir votos, dividir as forças, pode dificultar a governabilidade, mas é importante para que o povo fique sabendo o que o governante está a fazer, tanto do ponto de vista dos recursos públicos como da ética. Fazer oposição é fundamental para a democracia. Com responsabilidade, claro. Da mesma forma, a alternância de poder é exigível para uma democracia saudável. Partidos ou representantes que permanecem por muito tempo no governo tendem a se acomodar e criar uma relação fisiológica com o poder, repercutindo em casuísmos e apoios oligárquicos.
Nono - Política não é brincadeira. Pode ficar pior sim! O perigo é exatamente achar que não. Mais importante que votar em pessoas é ver suas propostas de governo e o que podem efetivamente fazer pelo país e pelo povo. Também seria preconceito acreditar que um candidato ou um partido novo não esteja realmente interessado em fazer política seriamente. O mais importante é consolidar as instituições políticas democráticas. De qualquer forma, o problema maior não é os que estão dormindo, mas os que estão adormecidos. Cada um de nós, juntos, faz a diferença.
Boas Eleições para todos!

* Publicado como originalmente em 27 de set de 2010

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