Tecnologia de Informação Verde


Recentemente* fui convidado a falar sobre Sustentabilidade Empresarial para uma das grandes empresas de TV a cabo de São Paulo. Sustentabilidade está na moda e faz sucesso entre empresários, governo, gestores, intelectuais e parece fazer sentido para os jovens profissionais de nossas empresas. Há cerca de vinte anos eu introduzi em meus cursos a discussão sobre mudança de paradigmas e sempre que posso falo de Thomas Kuhn e sua preciosa obra escrita em 1962 – A Estrutura das Revoluções Científicas (Editora Perspectiva). Essa obra tem me preparado melhor para a descoberta de fatos novos e a importância de antecipar as transformações radicais que nos últimos cinqüenta anos nos levaram para os desafios que agora experimentamos.
Considerei desde então três grandes revoluções que fundamentariam a nossa vida no limiar do século XXI: 1. A Revolução no Trabalho, que comumente chamamos de Toyotismo; 2. O Fim dos Empregos, que a meu ver não é exatamente o pior dos males para a sociedade humana; 3. A preocupação com a Ecologia, desde que, obviamente, o ser humano seja considerado parte dela.
Na década de oitenta a Internet era um sonho que mal começava a gatinhar, as profundas modificações que o modelo Toyota criava nas empresas eram mal compreendidas e serviam de pretexto para implantação de processos de qualidade e reengenharias desastrosos. A descentralização de Tecnologia de Informação - TI partindo do processamento centralizado em mainframe para arquitetura cliente/servidor era um verdadeiro tabu. Celular nem se falava e qualquer comunicação remota era lenta, cara, inconstante e insegura. As crises econômicas, a inflação e o subdesenvolvimento ainda eram a maior justificativa para a falta de emprego. A questão ecológica não passava quanto muito de um buraco na camada de ozônio sem grandes efeitos sobre as nossas vidas e não existia qualquer preocupação com a depredação dos nossos recursos naturais.
Quanto mudamos em duas décadas! Sou meio cético em relação ao grau de desenvolvimento em que nos encontramos, mas devo reconhecer que apesar de tudo fomos em frente e não nos saímos tão mal assim. Mas, como escrevi recentemente para alguém com quem compartilhei essa jornada, de nada terá valido a pena o que fizemos se daqui para frente não fizermos melhor.
Os investimentos em tecnologia de informação têm crescido entre nós cerca de 9% ao ano. Nos últimos três anos o número de usuários de Internet cresceu 22,5% e o número de computadores cresceu na ordem de 25,2%. No Brasil 20% da população usa Internet e já existem 170 milhões de celulares no país – cerca de 87,3% da população. Números impressionantes para quem nada disso tinha há pouco mais de duas décadas. Não por acaso as empresas de tecnologia no Brasil continuam apostando alto em seu crescimento e procuram freneticamente conquistar mais e mais clientes com estratégias de marketing extremamente agressivas – quando não enganosas. Obviamente a qualidade dos serviços não poderia acompanhar esse crescimento vertiginoso da virtualidade na vida do cidadão brasileiro. Mas não somos os únicos a sofrer do pânico de estarmos dentro da moderna tecnologia de informação e a sofrer de depressão só de pensar que não estaríamos plugados nessa virtualidade.
Se alguém não tiver hoje um endereço eletrônico para usar no E-mail simplesmente não existe e o mundo esquecerá você. Se não tivermos um grupo de relacionamento no Orkut não pertencemos a nenhuma corrente de pensamento e logo não estamos devidamente sociabilizados. Se você não tem um Blog não tem importância o que você é e pensa e não tem ninguém para te achar importante. O amor está no Second Life já que desistimos de fazer da vida real o espaço de nossa felicidade e luta por dignidade humana. Se não possuir celular, de preferência mais de um, ninguém fala com você, ninguém encontra você, ninguém negocia com você, ninguém marca nada com você, literalmente você perde sua existência. E por aí vai... Desnecessário ser repetitivo.
Esta semana um aluno me trouxe um artigo publicado na revista eletrônica da ComputerWorld que data de abril do ano passado escrito por Flávia Yuri. Captei o seguinte: um veículo consome 2 vezes seu peso em matérias primas e insumos, enquanto um micro com periféricos e peso médio de 24 quilos demanda nada menos do que 1,8 toneladas em recursos naturais e peças para ser fabricado. O processo de produção de um micro exige 10 vezes seu peso em combustíveis fósseis e 1,5 mil litros de água para ser concluído. Um chip de memória consome 1,7 quilo de combustível fóssil, 400 vezes seu peso. Toda essa tecnologia está sendo jogada fora a uma velocidade espantosa: 30 milhões de computadores são jogados no lixo por ano nos EUA e a vida útil de um computador é de menos de dois anos. Sabemos que a transferência de tecnologia de ponta dos países desenvolvidos para os subdesenvolvidos é insignificante enquanto o lixo tecnológico é depositado com lucro em países como Gana, Camarões, Camboja, Guiana, México, Brasil e outros tantos do terceiro mundo.
A bolsa de valores de NY tem um índice para empresas de TI Verde, o DJSI – Dow Jones de Sustentabilidade. Fico na dúvida o que exatamente eles estão medindo, se a rentabilidade conseguida a partir do respeito á qualidade de vida das comunidades em seu entorno e os benefícios para a vida no planeta ou tudo isso à custa dos lucros repatriados dos lixões de TI utilizados nos países mais miseráveis do mundo. Também temos na bolsa de valores de São Paulo um índice semelhante, o ISE – Índice de Sustentabilidade Empresarial. Resta saber se estes números por trás do desenvolvimento e do uso de TI avançada estão sendo considerados pelas empresas que entre nós participam dessa sustentabilidade.

* Escrito em 23-3-2009

Comentários

  1. Adorei sua visão sobre o assunto e fico pensando se a afirmação de um aluno meu não é verdade...ele disse: "professor há muitos anos eu vivia na roça, tinha um trabalho enorme para viver e para alimentar a minha familia, hoje vivo na cidade o meu trabalho é "menor" porque trabalho em uma empresa de ônibus. Mas gostaria de voltar a morar como antes pois feria menos o meio ambiente e não me considero tão feliz quanto antes." Tentei mostrar-lhe algumas formas sustentáveis de vida, mas na verdade descobri que elas não existem. O final realmente será o Caos.

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