QUE SE VÁ FIDEL!


A grande questão da política ao longo dos séculos é a luta pela liberdade com justiça. Infelizmente os homens só têm conseguido implantar ora a liberdade ora a justiça. Nosso sistemas liberal é melhor para a garantia da liberdade, mas ruim para conseguir justiça. O regime de Fidel foi durante muito tempo um exemplo de justiça, mas sem liberdade. De qualquer forma o socialismo vai muito além do que Fidel fez em Cuba. A transição para a sociedade comunitária deve destruir as amarras do velho liberalismo sem justiça, para que no final o comunismo possa ser liberdade e justiça juntos. O problema é que no socialismo real, esse de Cuba, China, etc, o socialismo em vez de se destruir, se fortalece como um regime sem liberdade em nome da justiça. E o tiro sai pela culatra: quanto mais as pessoas se sentem justiçadas mais elas querem liberdade! Mas o contrário nem sempre é verdadeiro: as pessoas com mais liberdade nem sempre estão dispostas a lutar por justiça! O primeiro é o problema deles; o segundo é o problema nosso!
Assim, os regimes socialistas reais se tornam mais autoritários em nome da justiça, pois sabem, ou acreditam saber, que a liberdade não é sinônimo de justiça. Os sistemas de mercado liberais, como o nosso, fazem o inverso: sabendo que justiça não leva necessariamente à liberdade, tentam manter a liberdade sem justiça. No caso do Aristóteles a democracia aristocrática pressupunha a efetiva participação do povo (ainda que alguns, naquele tempo) para discutir os destinos da cidade de Atenas. Assim, fosse o que fosse que o povo decidisse, sempre seria o melhor para a maioria. O bem comum é isso, a decisão da maioria pelo que acha melhor para todos. Se alguém não aceita isso, então é convidado a sair da cidade. O regime de Fidel fracassou exatamente quando não deixou sair quem era contra. E Maquiavel ainda pode ser pensado assim: os fins justificam os meios se for o que o povo em sua maioria representada livremente escolher – portanto não é algo sem ética, mas a ética de aceitar o que for melhor para a maioria, tanto melhor quanto a maioria decidir isso livremente. A ética maior nos dois pensadores é o bem comum do povo, e ele deve ter oportunidade de decidir e de “sair” se o decidido pela maioria não lhe agradar. Nos dias atuais uma verdadeira democracia deve aceitar a opinião dos dissidentes, claro, e deve haver espaço na sociedade para eles, desde que eles aceitam a decisão da maioria. Mas pense bem: entre nós a minoria está à vontade? Nós aceitamos e tratamos as minorias com respeito e lhes damos a oportunidade de serem diferentes e de se comportarem diferentemente da maioria? Nós gostamos dos dissidentes e os tratamos com dignidade? Eles têm a mesma oportunidade de vida? Ou os usamos como bodes expiatórios a confirmar e a valorizar nossa moral empedernida de intolerância e perseguição?!
O regime de Cuba é autoritário e viola sim uma porção significativa de direitos humanos. Mas ao invés de só atacarmos a realidade dos outros, talvez devêssemos aprender com eles para não cometermos os mesmos erros entre nós. Já seria louvável se ao invés de alimentarmos nossos erros com os erros alheios, fossemos capazes de sermos mais humanos não cometendo os mesmos erros, ou piores. No caso Brasil, que o digam as crianças abandonadas pelas ruas mendigando esmolas nos faróis, os pobres que usam sistema de saúde público, os velhos que estão nos asilos abandonados pelos familiares e pela sociedade, os homossexuais assassinados em praça pública por sua opção sexual, as mulheres agredidas e estupradas dentro de casa e nos pontos de ônibus, só porque parecem ser prostitutas!, as próprias prostitutas que são usadas como a encarnação do mal e como tal devem ser apedrejadas, encarceradas, e torturadas pela “inquisição” do Estado moderno, em nome da decência, enquanto pais, maridos e jovens as usam para os mais hediondos e doentios comportamentos; os doentes mentais que longe de o serem servem à mecânica do Estado e do poder para criar uma certa noção aceitável de saúde social ditada pelo poder governamental e realizada pelos pseudo-médicos de plantão; que o digam as massas sem casa, sem terra, sem educação, sem trabalho, sem esperança, sem vida, a nos meter medo de sermos tratados assim e a nos condicionar para uma vida insalubre e sem sentido; que o digam, por exemplo, os professores da rede pública em São Paulo com as cartilhas e livros didáticos confeccionados pelo Estado e impostos nas escolas, para não falar dos professores universitários que de tão desprestigiados e tão usurpados em seus salários são obrigados a se calarem e a darem aulas sem conteúdo e sem qualquer massa critica, para não falar da falta de educação, da corrupção, do apagão, da desnutrição, da inação, da perseguição, etc.
Se ao invés de ficarmos procurando os erros dos outros resolvêssemos os nossos, então talvez pudéssemos jogar pedras no telhado deles. Mas não é o caso: só usamos as mazelas alheias para escamotear e justificar as nossas. Cuba é lamentável em muitos aspectos. Nossa democracia de mentirinha é lamentável em tantos outros, a começar pela mentira ideológica e a lavagem cerebral cotidiana que as elites e o poder estatal fazem nas cabeças dos jovens e das pessoas em geral.
Uma moral que se baseia nas fraquezas e nos erros alheios só pode criar o medo, a intolerância, o preconceito, a violência, e amesquinha mais e mais o espírito humano levando-nos para as catacumbas do inferno existencial. Criamos uma moral a partir do erro, do fracasso, do sofrimento alheio, logo, recriamos o erro, o fracasso e o sofrimento do outrem com a finalidade de nos sentirmos íntegros e bem sucedidos, e assim, se reproduz uma vida sem brilho e uma ansiedade sempre pronta a praticar e justificar atos tão detestáveis ou piores do que aquilo que repudiamos. Ou já esquecemos entre nós da barbárie nazista que nasceu dentre a democracia liberal? Não existe justiça sem liberdade, mas o que dizer da liberdade, se é que a temos, cuja justiça é tão somente o desespero de cada um cuidar de si às expensas de forjar no outro a decadência, a fragilidade, a doença?
Que se vá Fidel! E por aqui, quem se vai, o que vai? O que aprendemos e o que pretendemos fazer? No fundo o problema não é Cuba, ou o Brasil, mas sim o homem, o tipo de homem que somos!

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