Efeito Nisman: Eu Sou um Fundamentalista e Não Sou um Terrorista!

O mundo atual precisa de um choque de "utopias" e não de um choque de "realidade": é que a "barbárie" não choca mais ninguém!

Estes dias, ainda a propósito da barbaridade no jornal Charlie Hebdo, o psicanalista Contardo Caligaris, em sua coluna na Folha de São Paulo, "O que me ofende", (Folha de São Paulo, 22/01/2015), afirma: "Não precisamos de fundamentalismo, novo ou antigo que seja"; e mais adiante diz que a ausência de fundamentos "é o grande valor positivo moderno". fiquei pensando nisso, e confesso que ainda não digeri bem essa afirmativa. 

O artigo do referido jornal ainda faz menção "à esquerda", comparando os "fundamentalismos religiosos" aos "fundamentalismos da esquerda", e "desdenha" o papa Francisco quando o mesmo afirmou que "não se pode insultar a fé alheia", para isso contrapondo os procedimentos da inquisição medieval. Não bastando, o psicanalista afirma ainda que os fundamentalistas, ou seja, os que defendem "fundamentos", querem "controlar a liberdade das consciências - fazer que todos pensem iguais", tudo isso, em uma crítica que o articulista pretendia fazer ao artigo na Ilustríssima, do filósofo Slavoj Zizek, "Liberalismo falha em proteger os seus valores" (Folha de São Paulo, 18/01/2015).

Zizek em seu artigo fala do "fracasso" do projeto liberal da modernidade e propõe a alternativa de fundamentos para orientar as pessoas a um resgate de valores e ânimo diante da barbárie que o mundo contemporâneo se converteu, como defendi no blog anterior. em uma palavra, o que o filósofo Zizek está a defender é a volta às ideologias! infelizmente parece que é isto que incomoda a intelectualidade liberal: a volta às ideologias. porque, ao que parece, a intelectualidade liberal se acha a única vitoriosa e preconiza, afinal, "o fim da história" e o "fim do pensamento utópico", o que significa, na verdade, "o fim do homem". mas, como sabemos, a psicanálise freudiana o explica, de tanto conviver com a "interdição", parece natural ver em todos o desejo de "interditar o pensamento", as ideologias, menos em si mesmo. a palavra "esquerda" ainda assombra os sonhos do liberalismo e seus prepostos como um fantasma inextinguível que paira sobre a liberdade etc.

Eu fico pensando, antes de mais nada, do que se tem medo: do "terrorismo" ou da "esquerda", ou dos dois, ou dos-dois-como-sendo-uma-mesma-coisa etc?! o que se pretende defender, a liberdade de caricaturar o profeta dos outros, ou a liberdade de se banir as ideologias de esquerda, tal qual??? sim, porque parece que o liberalismo não é "ideologia"?! quem quer "controlar as consciências"?

Eu gostaria de dizer que sou Católico (isto não quer dizer que concordo com tudo que se fez em nome dele!), considero-me cada vez mais um homem de Esquerda (isto não quer dizer que concordo com tudo que se fez e faz de errado em nome dela!), defendo todos os valores da Revolução Francesa (aquela que o povo francês, com o "Contrato Social" de Rousseau nas mãos, fez!), e por isso mesmo repudio essa visão desgastada e preconceituosa que "os da direita" são os bonzinhos e "os da esquerda" os demônios a serem extirpados. agora o desatino e a violência, a barbárie e a selvajaria de uns equipara-se aos fundamentos de outros? Meu Deus!

Eu gostaria de dizer que, se defender os que precisam de justiça, solidariedade e oportunidades, acima e além da desumanidade e desolação provocadas pela ganância sem ética, é ser fundamentalista, EU SOU UM FUNDAMENTALISTA! e gostaria de dizer que NÃO SOU UM TERRORISTA!

O filósofo Gilles Deleuze, quando lhe perguntaram se era um homem de esquerda, respondeu: "Se você acha que as necessidades de muitos devem prevalecer sobre os benefícios de muito poucos, então você é de esquerda". qualquer um que, como eu, viu Jornada nas Estrelas, sabe que o Spock tinha razão, e nem se precisa estudar muito e ler "Ética a Nicômaco" de Aristóteles, ou "Metafísica dos Costumes" de Kant! antes de tudo o Respeito, a Responsabilidade e o valor da Dignidade Humana devem ser preservadas, ou estes fundamentos a modernidade não precisa deles? pois é... quando vejo escreverem coisas assim eu acho que têm razão: a modernidade não tem mesmo fundamentos!!!! infelizmente, não positivamente!!!!

Com tudo isso, gostaria de prestar minha homenagem ao promotor Alberto Nisman. em termos de fundamentos, foi ele que me inspirou a fazer a seguinte pergunta: - Depois de 20 anos do atentado contra uma Associação Judaica em Buenos Aires, depois de dez anos à frente das investigações como promotor, depois de se saber que o governo argentino e iraniano têm prováveis interesses em se calarem sobre o atentado que vitimou 85 pessoas e dezenas de feridos, o promotor Alberto Nisman não pensou que talvez para a Argentina e para o seu povo, fosse melhor silenciar sobre o encobertamento do caso pelo governo? Isto não seria melhor para a Argentina, para o Irã, para a comunidade Judaica na Argentina e mundo afora? AFINAL O QUE O PROMOTOR NISMAN ESTAVA A DEFENDER? 

Se a modernidade fosse sem "fundamentos", se o fundamental na modernidade fosse "não ter fundamentos", esse homem não teria morrido! mas, pasmem, ele acreditava em "fundamentos", e por isso morreu! como os jornalistas do Charlie, como Zizek, como os nossos articulistas, como todos, afinal! nós sabemos que vale a pena lutar honestamente por ideologias e fundamentos; por isso deve-se ter muito cuidado com as comparações, com as taxações, com os denuncismos, com a superioridade, com a prepotência. Jacques Derrida diria, "mais hospitalidade, menos tolerância". talvez a "esquerda" que Zizek está a mostrar seja a que deseja "hospitalidade", ao invés da "pseudotolerância" da "direita" sem perspectiva!

E por favor, não me venham dizer que os professores de esquerda estão ensinando coisas erradas e ultrapassadas para os seus alunos, que vivem no mundo das utopias e ilusões etc, etc. (vocês encontram algo assim no artigo de Ferreira Gular, "O sonho e a realidade" - Folha de São Paulo: 25/01/2014). o problema do liberalismo pós-moderno é que não ensina nada, os professores não têm motivação para ensinarem nada, porque já aprenderam pouco (não por culpa deles!), porque estão desprestigiados e frustrados, e tudo isso porque o "fundamento positivo da modernidade" é comprar, produzir, creditar, ostentar; logo, não se vê, não se sente, não existe indignação - não vamos "sentir dor"! as pessoas nem sequer sabem mais o que é esquerda, direita, liberdade, autoridade, crítica responsável. na "pós-modernidade neoliberal" querem me fazer crer que o positivo é o "NADA"! vivemos no PÓS-NADA!

Alberto Nisman era, a seu modo, um homem de "conteúdo", ou seja, para bom entendedor, um "fundamentalista", que teve coragem de acreditar que a "verdade" e a "justiça" deveriam estar acima das conveniências, e que nenhum povo jamais poderá ser grande o suficiente se começar por transigir com estes "fundamentos". o mal da modernidade, e dos homens modernos, "liberais", é que os fundamentos que lhes interessam são apenas aqueles que lhes convêm! mas Nisman, afinal, passou para a história como um daqueles que nos deixou eternamente, como Prometeu e como Cristo, o fundamento da ESPERANÇA! e até onde eu sei, não eram homens de "esquerda", ou eram e não estavam preocupados com isso!

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