Os Tipos Psicológicos no Direito Penal (I) - Beccaria e Reale

O "subjetivismo" jurídico, que conversa conosco pelos arquétipos do "EU", do indivíduo, do cidadão, se contrapõe fundamentalmente ao "objetivismo" que elege em seu discurso o "TODO", o coletivo, o povo.
Cesare Beccaria (Dos Delitos e das Penas) diz que a desproporcionalidade da pena incentiva a violência, sabendo um indivíduo que será punido com o máximo rigor muito acima da infração, estará motivado a maximizar antecipadamente esse sofrimento com ações que "subjetivamente" lhe parecem condizentes com a punição exacerbada. pode-se questionar a veracidade absoluta dessa arguição, mas ela remete, no âmbito das penas, a uma determinada psicologia do comportamento humano diante da prescrição da punição, aquela que que pelos critérios "objetivistas" se refere à utilidade preventiva das penas. por exemplo, o que fará um filho cujo pai costuma castigá-lo veementemente sem motivos para tal, quando, diante das circunstâncias, ou inadvertidamente, agir de forma que se justifica alguma intervenção corretiva do pai? o que pode ele esperar? o que fará ele se não houver como refutar ou após a execução de tal ação? existe prevenção na punição desproporcional e no seu prévio conhecimento? uma analogia mais: o que faz o comerciante diante da expectativa de inflação, reduz ele os preços? e o emprestador de dinheiro, rebaixa seus juros?
Miguel Reale (Pena de Morte e Mistério) defende a incompatibilidade lógica do conceito de pena com o conceito de morte. simplificando, o que o autor nos diz é que a pena se dá sobre a vida e a prevenção objetiva de um sistema penal só pode "racionalmente", logicamente, servir para desestimular ou corrigir em vida, a vida, dai que para o que morre nada vale e para os que "potencialmente-vão morrer" - e quem pode dizer que não se fará algo em que o poder do Estado e a força da Lei se imporá? - ao invés de restrição a pena de morte os libertará. se sente a morte em relação à vida e a punição em relação à infração; racionalmente não há como atribuir qualidades relacionais objetivas entre vida-morte e delito-pena. o homem entende universalmente o conceito de morte em relação à vida e não em relação ao delito, motivo pelo qual, logicamente, onde houver a morte existe o fim da vida e do viver, e portanto, os elementos constrangedores sociais e jurídicos não se aplicarão com sentido e resultam inócuos para quem morre. diante da morte todo o ser humano está logica e racionalmente livre para fazer o que quiser! só a dogmática mais restrita e tacanha pode não perceber isso, ou a superioridade dos "homens-deuses" para quem a finitude da vida não existe, o que não é o caso dos "simples-mortais"!
Como se vê a resposta à proporcionalidade punitiva de Reale se põe no nível da racionalidade e da lógica jurídica, no nível da filosofia analítica, e não da psicologia do comportamento. Reale ainda procura, a todo custo, ilustrar o Direito como ciência de forma "objetiva" pela filosofia e análise própria da racionalidade e da lógica interna de um Direito ciência. não que Beccaria tivesse a pretensão de inventar uma psicologia penal, mas sem o saber introduziu a seu modo o "subjetivismo" na análise dos sistemas punitivos modernos de forma brilhante, mais do que isso, ao demonstrar a ineficácia da pena de morte e a inépcia da desproporcionalidade da pena, abriu um longo caminho sobre um olhar diferente da dogmática jurídica e dos sistemas punitivos estatais.


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