Genealogia da Moral e o Paradoxo da Bomba-Relógio

Desde o início a Filosofia tem procurado responder de forma convincente sobre o que é 'Certo' e 'Errado', o que é 'Decente' e 'Imoral', o 'Bem' e o 'Mal'. A questão é tão antiga quanto o Mito Fundador da humanidade dos gregos ou Adão e Eva dos hebreus. A verdade é que não existe verdade, e possivelmente nunca existirá qualquer verdade sobre moral e ética fora do contexto do fato em si. Ou em outras palavras, tirando uma certa necessidade dos homens viverem em grupo e de se reproduzirem e sobreviverem como tal, os comportamentos éticos são relativos. Não porque cada indivíduo tem sua verdade, mas porque além disso a verdade de cada indivíduo só é colocada à prova diante dos fatos, dos contextos, das circunstâncias e da maior causa de toda a relatividade, a sua circunstância de se questionar, a si próprio, diante do seu viver. Quanto mais dogmáticas as convenções que submetem a razão e a linguagem, mais restritivo o processo de comunicação, a negociação e o diálogo argumentativo. Juridicamente isto é uma catástrofe! 
Nos últimos dias articulistas da Folha de São Paulo trouxeram à tona essa discussão por conta da questão da 'tortura', algo que parece que vai ficar para sempre entre nós, e não sem motivos. Vários problemas podem ser colocados na mesa para discussão e reflexão sobre nossa capacidade de se apegar a convenções utilitaristas, e egoístas no mais das vezes. É isso que se chama paradoxo da Bomba-Relógio, algo assim: Uma criança é sequestrada e escondida em algum lugar na cidade com uma bomba-relógio amarrada a ela. A polícia prende o sequestrador mas este se recusa de todas as formas a dizer onde a criança se encontra. A bomba deve explodir em 1 hora. Nesta situação é admissível torturar o sequestrador para que revele o esconderijo onde se encontra a criança? E se forem várias pessoas, mulheres, crianças e idosos?
Não é necessário nos atermos a grandes especulações para vermos a dificuldade de moral e eticamente termos uma resposta pronta. Seja o que for que se decida, haverão muitos pontos de vista a favor da tortura e tantos outros contra. Mesmo levando em conta o contexto, ainda assim uma decisão aqui será alvo de apoio e de críticas intermináveis. No texto anexo, publicado este domingo pela Folha de São Paulo, com o título de Genealogia da Moral, são apresentados outros exemplos para refletirmos. 
O artigo apresenta-nos três visões possíveis: a Escola Deontológica ou Moralista (Platão, Kant), a Consequencionista (Bentham, Mill, Hume) e a Contratualista (Locke, Rawls), curiosamente esta última mencionada mas não usada nos argumentos. A deontologia propõe um comportamento 'verdadeiro' ou uma 'ética do espírito', imperativos categóricos a partir dos quais os homens podem sempre saber o que é certo fazer diante de cada fato. Na vertente consequencialista, o que vale são as consequências, no caso, o bem coletivo e a harmonia (como em Aristóteles), ou um benefício para o maior número possível de pessoas. A questão é que se pensarmos em uma destas duas escolas, vemos que tanto uma como a outra vão em algum momento deixar a desejar com relação ao fato em si, por exemplo, qual das duas concepções devo adotar no caso da Bomba-Relógio?
Com relação à terceira escola, a contratualista, o ideal é que todas as situações, principalmente as extremas, sejam dialogadas, negociadas, e que o bom senso, a razoabilidade e a transparência possam resultar em um consenso que não deixe rastros de frustrações, decepções e vinganças. Bem, isto é o ideal: dificilmente todas estas variáveis se apresentam às mentes dos homens em situações reais cotidianas, provavelmente menos ainda em situações de estresse. Mas também situações como o paradoxo da bomba-relógio são tampouco constantes. De forma que se tivermos que refletir sobre o que é a Moral e qual o comportamento Ético mais adequado, já seria um tremendo sucesso se esgotarmos todas as possibilidades de diálogo: afinal comportamentos éticos podem sim serem resolvidos com bom senso, razoabilidade e honestidade.
Normalmente esquecemos de algo importante, que proponho seja refletido nesta citação: "Se o Cristo é o único inocente, Adão não é o único culpado. Todos os homens dividem essa culpabilidade arquetípica, mas apenas na medida das possibilidades de liberação que estão a seu alcance e que eles deixam escapar. Portanto, não podemos dizer que o pecado seja exatamente original, mas que ele só se torna atual a partir do momento em que o saber da violência está à disposição dos homens" (René Girard: Coisas Ocultas Desde a Fundação do Mundo).
O indivíduo dogmático no máximo só troca de dogma, mas existem indivíduos que veem a justiça e a ética além deles!


Comentários

Livro Ética no Direito

Postagens mais visitadas deste blog

Educação Sentimental

A Modernidade de Madame Bovary

LIVRO SOCIOLOGIA JURÍDICA (7a. ED. ADOTADA)

A Identidade Complexa e a Vida Secreta de Frida Kahlo

Star Wars, Democracia e Ética na Filosofia do Direito

Pós Tempos Modernos