Verdade, Vontade e Consciência: II - Vontade e Consciência e o Ser no Direito


No Blog anterior (27 de fevereiro de 2012), falei sobre as questões jusfilosóficas com relação à "Verdade". Agora vamos falar sobre "Vontade e Consciência", conceitos que estão relacionados e que são de fundamental importância em nosso ordenamento jurídico, pois, em muitos casos, a falta de consciência parcial ou total atenua a pena e pode mesmo absolver (P.Ex. Código Penal, Art. Título II e Título III).

Existe na Teoria do Crime duas vertentes que podem nos servir de base para discutirmos jusfilosoficamente Vontade e Consciência: Teoria Bipartida ou Finalista e Teoria Tripartida ou Causal.

Na Bipartida, vontade e consciência formam um conjunto irrecusável e inalienável. Onde existe Vontade existe consciência e vice-versa. Logo, se sempre existe vontade com consciência e se toda consciência é produto de uma ação voluntária, sempre haverá 1. conduta humana voluntária, 2. nexo causal e 3. resultado. Isto configura o que chamamos de Fato Típico. Portanto, se sempre existe vontade e consciência juntas, sempre haverá fato típico irrecusável. Filosofias de justiça do tipo "aplicação máxima do direito" tendem a este tipo de concepção, e, muitas vezes, justificam atos penais de exceção, penas do talião, violência e mesmo crueldade punitiva, passando por cima de princípios humanísticos e da legislação ordinária e Constituição.

Procede-se mais ou menos assim (figurado): Existe crime - tipifico o crime pelo inquérito - código penal e contravenção penal - culpabilidade presumida - devido processo legal - possível atenuar - difícil absolvição.

Observe-se: parto do crime como fato típico, procuro as causas e motivações, as provas, procuro a legislação punitiva, a pena, e solicito ao ministério público que denúncie o "réu". Se no processo instaurado houver argumentação plausível e hermenêutica suficiente, pode-se usar a lei para atenuar a pena, mas dificilmente haverá absolvição, pois se já foi tipificado como crime, elementos existem para isso e o sentido do processo legal será mais para agravar do que para atenuar. Neste caso não se deveria falar em "Antijuridicidade", posto que não se pode alegar "exclusão de ilicitude", a menos, claro, que existe litigância de má fé na investigação e determinação dos fatos ou erro interpertativo ou processual grave.

Na Tripartida, vontade e consciência são coisas distintas: portanto pode haver três situações: 1. existir, sim, vontade e consciência juntas (mas pode existir atenuante, como no caso do Art 155; 2º; CP, furto de bagatela); 2. existir vontade sem consciência, total ou parcial, principalmente quanto ao universo dos resultados possíveis supervinientes da ação (estado de necessidade (crime famélico) e legítima defesa podem ser assim, ou, na inimputabilidade, o menor infrator ou o doente mental, ou ainda no caso de embrieguez); 3. não existir a vontade mas existir a consciência, total ou parcial, nas mesmas proporções do item anterior (coação irresistível física, inexigibilidade de conduta diversa (sequestro de família de gerente de banco para o obrigar a participar do roubo), obediência à ordem não manifestamente ilegal de superior). Aqui também existirá Fato Típico, conduta humana voluntária, nexo causal, resultado. Mas, ao invés de partir da presunção de culpabilidade, procura-se antes a "verdadeira antijuridicidade", olhando se a ação, ou seu sentido, podem ser descartadas de culpa, portanto de punição. Este procedimento evita os excessos punitivos, a truculência do Estado e retira a aridez da Lei.

Procede-se mais ou menos assim (figurado): Existe "Fato Social" - nexo causal e motivação- código penal e contravenção penal - inocência presumida - exclusão de crime e/ou inimputabilidade total ou parcial- se não, tipificação do crime - devido processo legal.

Observe-se: Neste caso, jusfilosoficamente, podemos fazer uma interpertação mais "extensiva" do conceito de antijuridicidade (não confundir com antijurídico ou extrajurídico - fora da lei). Lembrando de Kelsen, pelo princípio da responsabilidade normativa, a lei que condena é a mesma que absolve. Antijuridicidade não está fora da lei, mas é a conduta dos agentes de justiça em verificar se a lei pode excluir o dolo ou a culpa, ou se, com a "liberalidade poética" da jusfilosofia, alcançar inimputabilidade total ou parcial, isto é, atenuantes significativas. Em tese, só se falaria de antijuridicidade com relação à exclusão de ilicitude -CP. título II - e não, propriamente, ao título III de Inimputabilidade (CP), haja vista que neste segundo caso há o crime e se fala apenas de pena. De qualquer forma, na Teoria Tripartida aplica-se o princípio da legalidade, do extao cumprimento da lei e mesmo do abolicionismo penal.

Hermenêutica é uma arte, a arte de interpretar e compreender as leis. A Filosofia aplicada ao Direito lhe empresta a razoabilidade, a humildade, a prudência e o bom senso, acepções subjetivas e objetivas. Se um indivíduo não tiver informação, condições de a entender para seu próprio bem e a consciência do significado de sua ação e suas repercussões materiais e imateriais, não pode ser criminalizado e punido. Sartre, em sua obra O Ser e o Nada, nos faz entender essa necessidade sublime de informação, conhecimento e liberdade. Todo o Existencialismo é assim: humano e democrático. Mas a pergunta que não quer calar é: temos esse conhecimento e essa liberdade quando escolhemos, quando optamos, quando previligiamos "A" e não "B"?

Fazemos parte de um Sistema e dentro dele de pequenos sistemas de poder. Não bastasse a máxima kantiniana que não nos é dado o real pela interpetação que fazemos dos fatos naturais, que não existe "verdades", ainda agora temos que pensar o que significa efetivamente falar de 'vontade' e 'consciência', e em que termos as possuímos. Nos vemos no próximo Blog sobre o tema. Até lá.




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