Verdade, Vontade e Consciência: I- Verdade e o Ser no Direito
Recentemente recebi várias manifestações sobre uma
afirmativa que faço no meu livro de Ética Jurídica (Ed. Elsevier/Campus), e que
acho que me compete explicar melhor e ao mesmo tempo servir de ponto de partida
para discutir a necessidade e importância da Filosofia nos cursos de Direito.
Digo eu no capítulo 1 (página 22): “A Filosofia passou a buscar o sentido e não
a verdade, provocando um corte importante em sua postura e metodologia, a saber,
que esta passou a perguntar qual o sentido das coisas, abandonando o diálogo
mais crítico com as “verdades” dos conhecimentos ditos científicos”. Na
verdade, desde que o ser humano se viu consciente de sua condição de
fragilidade diante da natureza e, posteriormente, cônscio de sua finitude – o
pai de todos os medos -, o sentido das coisas e de si mesmo lhe assaltam o
espírito infinita e mordazmente. Perguntas do tipo “quem sou eu, de onde vim,
para onde eu vou?” são tão ancestrais quanto a existência do humano que ganha
consciência. A consciência é o problema!
Bem, mas então a Filosofia não abandonou nunca as questões
sobre o “sentido da vida”. De fato não! Mas o problema é a forma, ou mais
propriamente o caminho como tais perguntas se fazem presentes na modernidade e
de lá para cá. Na antiguidade clássica a Filosofia tinha, antes de tudo, o
importante papel de dialeticamente opor pragmatismo e dogmatismo à crítica mais
apurada, ao questionamento iconoclasta, à desconstrução dos paradigmas. Isto
quer dizer que a resposta sobre o sentido da vida não era o ponto de partida,
mas o ponto final. Essas respostas surgiam como consequência da desconstrução
do saber existente, além do cotidiano, além do modus vivendis. Pela reflexão desconstrutiva o homem antigo se
tornava um sábio, adquiria virtude e essa virtude então, quiçá, poderia lhe
infundir alguma percepção sobre o sentido das coisas e da vida, de sua condição
de animal fragilizado diante das portentosas forças da natureza, diante dos
deuses sempre ameaçadores, diante do incognoscível.
Já a partir do século XV, no entanto, a filosofia vai
perdendo esse afã pela reflexão crítica ou a busca da verdade filosófica, até
que cartesianamente a verdade passa a ser buscada pela ciência e se transforma
em seu objetivo. Aquilo que era o cogito
da filosofia agora é da ciência tradicional. Mas enquanto a filosofia procurava
a verdade desconstruindo, a ciência procura a verdade para construir um
sistema, se mercantil, obviamente deturpa completamente o objetivo filosófico e
fortalece a reprodução irrefletida da apropriação das energias humanas em favor
do tecnocientificismo de produção e consumo. É por isso que Kant, tentando
trazer de volta à filosofia a verdade como desconstrução, e o sentido da
vida como consequência, afirmou que a verdade é incognoscível, uma vez que o
conhecimento é a reflexão idealizada da realidade, quer dizer, que a verdade em
si mesma não existe para o homem.
Leibniz havia desdito Descartes ao afirmar que o todo é
diferente e maior do que a simples somatória das partes. Leibniz cunhou essa
força oculta por trás do que podemos observar, de “mônada”, algo que mantêm
tudo e todos em sintonia uns com os outros e agregados por suas
particularidades. A “Unidade do Diverso” marxista.
Não é uma novidade essa ideia dialética, teleológica e
sistêmica: ela está presente em Aristóteles, em Epicuro e em Cícero.
Aristóteles inclusive havia se oposto à ideia de totalidade absoluta da verdade
proposta por Platão e Sócrates, seus antecessores, de que a dialética quando
buscando a essência, em uma práxis criativa, chegaria sempre a uma verdade
consensada pelos debatedores. Aristóteles afirmava que essa dialética, essa
práxis diante das circunstâncias, poderia produzir mais do que uma verdade
plausível e aceitável diante dos fatos, usando o termo de Topoi para designar essa possibilidade.
Mas Kant vai além:
simplesmente não existe verdade alguma, pois a reflexão está sempre diante dos
fatos e da realidade, seja esta qual for, da mesma forma que a linguagem está incapacitada
de refletir o sensível e o sentimento humano em sua completude e profundidade,
porque essa reflexão ela é em si mesma um filtro, uma elaboração, algo que dá a
“vida” ao sensível observável do objeto. Neste sentido, a verdade em si mesma
não existe. Portanto, o relativismo do Topoi
não é igual à não verdade de Kant.
Implicações Jurídicas: 1. A verdade dialética socrática dá
conforto ao Direito, na medida em que se existe um método para obter a verdade,
a justiça é palpável, factível, previsível e concreta. A efetividade e
segurança jurídica são juridicamente admissíveis. 2. De forma aristotélica, o
cogito de admissibilidade e efetividade jurídica não se modificam, mas o
conforto da decisão sentencial é questionado na medida em que o processo de direito
pode apenas garantir o contraditório e levar em consideração a argumentação
de fundamental importância, mas a decisão sentencial não pode ser per se colocada como critério absoluto de
justiça. Se existe mais de uma argumentação plausível e aceitável, como decidir
por uma em detrimento de outra? 3. Mas, kantianamente, mesmo a variedade de
argumentações plausíveis e aceitáveis diante do fato concreto não realiza o
projeto de justiça, seja qual for a fonte, princípio ou intuito jurídico, vez
que a verdade em si mesma não passa de uma convenção sobre a realidade, quer
dizer, não existe verdade alguma. O que é o direito sem verdade alguma?
Resposta: “O Ser e o Nada”. A vida é uma ficção coletiva,
possível pela invenção de convenções. Contudo, convenções Valorativas (Moral) e
Normativas (Lei) derivam de conceitos que a Filosofia propõe. O mundo é possivelmente
apenas relações do Ser (Eu) com o Outro (Objeto). Veremos melhor no próximo Blog.
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