Antropologia e Direito: Uma resposta controversa para a violência


Em meu livro Antropologia Jurídica: Para uma filosofia antropológica do direito, ora lançado pela editora Elseviere/Campus, defendo a tese de que onde existe formalização jurídica estatal existe menos ética. Vivemos o auge da espetacularização da vida em todos os sentidos. Embora Boris Fausto veja no processo eleitoral Americano deste ano, na oposição entre Obama e McCain, a negação da vida pública mediática (Folha de São Paulo, Caderno Mais!, 13/07/2008), é indubitável que os poderes do Estado moderno , inclusive o Judiciário, não podem e (parece) não querem fugir a isso. Uma das conseqüências mais nefastas da tecnocracia jurídica atual é que o espetáculo da justiça não pode parar.
Eu gostaria de me explicar melhor: a idéia central de Antropologia Jurídica é que nas sociedades humanas nem sempre foi necessária a existência do Estado e a formalização de um ordenamento jurídico para garantia da paz e sobrevivência dos indivíduos, como é o caso das sociedades primevas ainda existentes entre nós. Nestes casos, das sociedades sem Estado, a reciprocidade é suficiente para engendrar formas e instituições culturais capazes de garantir que o comportamento disruptivo avassalador não seja uma ameaça ao grupo. Ao mesmo tempo, e isto me parece fundamental, evita-se que o indivíduo faltoso seja estigmatizado a ponto de perder seu interesse em compor o grupo e com ele contribuir. Em outras palavras, em sociedades primevas a tal da “segurança jurídica” é garantida pela cultura.
Nestes casos, o conjunto de valores e máximas de conduta do grupo, a cultura, é suficiente para engendrar formas de educação e comprometimento social que por si só inibem a potencialidade de condutas consideradas nocivas ao grupo. E também, com base nesses valores, se condicionam as formas de julgar e punir, chamando para a própria comunidade a responsabilidade de cuidar de si. Os indivíduos autores de condutas tidas como indesejadas, são vistos como elementos que estão doentes, possuídos por espíritos malignos, e como tal, como doentes, são passiveis de serem tratados e curados. Portanto, a justiça é uma questão de saúde pública, mais do que uma instituição de presunção, de superioridade, de condenação, confisco ou banimento.
A atual crise nas sociedades modernas industrializadas com relação às suas instituições de Estado, mormente, as jurídicas (por exemplo, entre legislativo e judiciário, entre judiciário e executivo, entre os próprios segmentos do judiciário, etc.), são, antes de tudo, produto dessa relação conflituosa entre interesses sociais legítimos e a institucionalização tecnocrata do fazer justiça sob os auspícios do Estado. Em uma sociedade primeva não existem leis inócuas ou prejudiciais, porque se existissem, o fato de se tornarem distantes da comunidade as baniria. Da mesma forma, não pode existir elementos que chamem para si o poder de representar a verdade ou a melhor conduta, a não ser quando o grupo o assim designa, e mesmo assim como mero representante da vontade coletiva e não como possuidor de uma verdade superior e inquestionável. Nas sociedades primevas não existe espaço para o Um-Único.
O problema de nosso direito no mundo civilizado é que mais e mais existe uma dicotomia entre a pretensão de emancipação e a necessidade de regulação do Estado. Porquê? Simplesmente porque aprendemos o gosto pela liberdade infinita, ou seja, pela irresponsabilidade de sermos livres. Mais e mais o Estado e suas instâncias de controle oficial parecem se debater entre a irresolução crônica de ter que proporcionar mais liberdade entre indivíduos que se mostram arredios à sua responsabilidade na reciprocidade social. E é por isto que agressões e violações aos mais fundamentais diretos humanos, e aos consagrados em nossa Constituição, são aviltados com a anuência apática e linchadora de grande parte dos cidadãos, que relutam em acreditar que a justiça do Estado funcionará e será capaz de exemplificar os modos de convivência decentes e necessários à salutar sobrevivência de todos. A verdade é que muitos e muitos que acreditam na truculência do Estado são as versões mais fracassadas da responsabilidade social, mas ao permitirem essa truculência se desumanizam e reforçam cada vez mais esse totalitarismo que um dia lhes baterá à porta. Então a lei e a Constituição não servirão de nada!

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Livro Ética no Direito

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