CARNAVAL, CENSURA E HOLOCAUSTO

(Publicado originalmente em 02 de fev de 2008)

Em 1936 Graciliano Ramos escreveu "Angústia", quando estava preso nos porões da ditadura de Getúlio Vargas. Em 1970 a Ditadura Militar censurou a música "Apesar de você" de Chico Buarque. Outras centenas de obras de arte e expressões culturais foram duramente perseguidas pela ditadura. Censura é próprio de ditaduras e daqueles que acreditam saber o que é melhor que as pessoas vejam, ouçam, cheirem, falem, sintam... Ou em outras palavras: censura significa que quem vê, ouve, cheira, fala e sente é um "boçal", um "mentecapto", um "energúmeno". Em 1989 para a escola de samba Beija-Flor a "censura" proibiu a exibição de um Cristo. A escola saiu com o Cristo coberto com um plástico preto onde se lia "Mesmo proibido, olhai por nós". Agora (carnaval 2008) a "censura" proíbe a escola Viradouro de sair com um carro alegórico onde se apresenta o genocídio do nazismo sobre os judeus - pessoas fantasiadas de Hitler sobre um amontoado de corpos mortos e destroçados (A Federação Israelita do Rio de Janeiro que solicitou à justiça a interdição da alegoria).

Toda vez que o "arbítrio" e o "autoritarismo" quer se manifestar a primeira coisa que faz é manipular e censurar a expressão livre da arte e a manifestação livre dos indivíduos. Assim também fez Hitler e seus algozes. Quando os processos democráticos (política, justiça, associações civis) procedem com as mesmas ferramentas e os mesmos métodos da barbárie e truculência dos piores ditadores - e suas mais abomináveis práticas de banalização do mal -, ficam exatamente iguais àquilo que pretendem combater! Quem recebe o desaforo com ressentimento se transforma imediatamente num igual revanchista - manifesta sua idiossincrasia e seu rancor para com o que pretensamente comete a agressão! Não existem motivos plausíveis para empurrar o entulho da história para debaixo do tapete e fazer do povo brasileiro alvo do rancor e angústia que alguns decidiram incorporar. Na verdade, coisas como esta só são possíveis de acontecerem no Brasil porque nossa cultura ainda é, infelizmente, a de resolver as coisas na negritude dos porões do lixo empurrado para debaixo do tapete. Não apenas as práticas se assemelham aos dos piores tiranos como nos transforma a todos em coniventes com a tirania!

A solução é exatamente o oposto, que só pode ser enxergado se a racionalidade do medo - agora no lugar do terror! - for curada. Por aqui, rejeitamos práticas e artimanhas totalitárias! Principalmente, afirmamos que temos inteligência e discernimento suficiente para sabermos destingir entre uma manifestação cultural - como a exibição de uma alegoria dentro de um contexto narrado pela escola de samba ao longo de todo seu enredo! - e a valorização de práticas degradantes e abomináveis! E mesmo que alguns insistam em dizer que este nível de cultura não é para o povo, que não saberá distinguir que o carnavalesco quis na verdade fazer uma denúncia do holocausto - mesmo que se imagine que apesar da letra e todo o enredo ainda assim se pudesse confundir a negação com a apologia ao nazismo -, então a medida apropriada são medidas sócio-educativas prepositivas que esclareçam a história em profundidade. Será que a "censura" deseja isso?, revelar a história em seus detalhes?, porque assim estará não só exorcizando seus temores e tremores mas valorizando a vida de um povo que abre os braços a todos e respeita em seu sangue a diferença (inclusive a religiosa e a política). Esconder a realidade e a verdade nunca foi o melhor caminho para se educar! Na verdade é o melhor caminho para que se repitam os fatos mais escabrosos da história!

Sim, vale a pena discutir, chamar a atenção de forma livre para o que o ser humano é capaz de fazer a seu semelhante - as origens do holocausto e sua perpetuação entre nós! - e educar para que sentimentos estejam bloqueados de uma vez por todas para a banalização do mal e que todos os tipos de censura definitivamente sejam banidos das mentes humanas. Nenhum tipo de censura é aceitável mesmo em prol de "propósitos humanitários". Ninguém tem o direto de transformar a todos em "rebanho" e transformar a todos em "cordeiro de sacrifício" da história. O melhor exemplo que os homens de "boa vontade" podem dar é livrar-se de seu egoísmo traumático a querer converter a humanidade em depositários de atrocidades históricas.

Ninguém que viva da ansiedade e da angústia pode ser exemplo para o outro: seu exemplo é somente o medo e a desesperança! Mostrar o holocausto é um tributo à liberdade e tolerância, aos que padeceram nas mãos dos algozes que se esqueceram da humanidade! Não esquecer é o tributo que as gerações vindouras podem dar aos que com suas vidas e feridas estabeleceram os limites entre a política e a desumanização! Esquecer para quê? Esquecer para quem? Esquecer porquê? Não ao ressentimento e à veneração da morte! Precisamos de amor e vida!

Comentários

  1. Olá Professor.

    Para esse assunto, vem em minha memória e/ou vaga lembrança um trecho de "Bartlet’s Familiar Quotations" do autor Martin Niemöller:

    "Eles começaram perseguindo os comunistas, e eu não protestei, porque não era comunista.

    Depois, vieram buscar os judeus, e eu não protestei, porque não era judeu.

    Depois ainda, vieram buscar os sindicalistas, e eu não protestei, porque não era sindicalista.

    Aí, vieram buscar os homossexuais, e eu não protestei, porque não era homossexual.

    Aí então, vieram buscar os ciganos, e eu não protestei, porque não era cigano.

    E depois, vieram buscar os imigrantes, e eu não protestei, porque não era imigrante.

    Depois, vieram me buscar.

    E já não havia ninguém para protestar!"

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  2. Certa vez o Prof. Sacadura comentou algo comigo e ficou em minhas idéias, até que passei a concordar com aquilo: não adianta ficar quieto e depois falar que não sabia; sabia sim o que estava acontecendo, mas preferiu se calar... então é tão culpado quanto aquele que efetivamente promoveu o massacre. Se não conhecermos o holocausto, como evitaremos outros no futuro? A quem será que interessa ocultar os fatos e a história?

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